Estamos em 2022.
Não é mais um ano para manifestos de design em empresas brasileiras – a não ser que a intenção seja de pregar aos convertidos ou gritar para o vazio. O número de startups brasileiras aumentou significativamente nos últimos anos, e grandes e-commerces e bancos do país adotaram tanto times de design quanto metodologia ágil. O futuro chegou, como propagandeava William Gibson, e de forma desigual como ele previra.
Apesar da evolução considerável da profissão em 10 anos em nosso país (e também fora dele), figurando de vagas em sites a publicações em veículos de grande alcance, com a proliferação incessante de cursos profissionalizantes, seguimos a passos tímidos. Por que será?
Das aulas em que ministro, eventuais palestras e recorrentes inboxes de LinkedIn, transparece a dúvida – como faço design ser respeitado dentro da minha organização?
A pergunta esconde muitas dúvidas.
Passa por como tornar diferentes áreas da empresa parceiras de design, por como explicar o que design faz de forma ampla, e o que ele está especificamente entregando em um trabalho. Pincela também o desejo de cada pessoa que pergunta de ter uma carreira brilhante e participar de decisões sérias e verdadeiramente estratégicas da empresa.
Por outro lado, a cada vez que alguém começa a se indagar sobre isso e começa a falar de pastelaria, essa pessoa se afasta do que deveria realmente fazer para alcançar seu objetivo. Assume uma postura de vítima – ou, pelo menos, uma visão dialógica, de design x outros – que não a ajudará a realizar as coisas.
Quero compartilhar um pouco das percepções nestes anos de carreira trabalhando com experiência do usuário em agências digitais, consultorias e, por fim, em startups.
O esforço do design
Uma vez uma pessoa da minha equipe me chamou para conversar. Ela queria debater, com todo direito, seu espaço na empresa. Estava carregada de dúvidas.
Não foi uma conversa fácil, para nenhum de nós. Lembro de lhe ter dito:
– Às vezes, você dá tudo de si, o cliente ama e o trabalho funciona. Precisamos falar disso. Mas outras vezes, você dá tudo de si e, embora o cliente ame, o trabalho não funciona. E tem ainda outras vezes em que você dá seu melhor, o cliente não ama, e não dá certo. Precisamos falar disso também, e com a mesma naturalidade.
Se você está lendo este texto, com certeza consegue imaginar a situação. Conforme o design se torna uma profissão mais e mais estabelecida, você também tem acesso a mais referências de mercado, mais métodos e frameworks e mais bagagem. Você leva seu trabalho a sério. Portanto, quer empregar ao máximo disso tudo e mostrar que o que você faz é capaz de gerar valor para a empresa em que trabalha.
Fazer as coisas da maneira certa, em qualquer ramo, dá trabalho. Em design, isso não é mais ou menos verdade – apenas segue a regra do mundo. Quando falo de esforço em design, levanto a dúvida – será que a energia que empregamos para resolver a um problema é proporcional a seu tamanho e relevância?
Essa pergunta é crucial ao analisarmos portfólios em entrevistas de empregos. Evidentemente olhamos as dimensões mais técnicas e tangíveis do design – como, por exemplo, o esmero com design visual, uma boa arquitetura de informação e decisões de design de interação que reduzam as dúvidas e o esforço dos usuários. Também vemos se a pessoa candidata realmente entendeu o problema.
Em alguns casos, a pessoa candidata está fora de cogitação porque tornou-se escrava da forma em detrimento ao conteúdo. Preocupou-se tanto com a execução, que faltou questionamento. Mas em outros momentos, uma pessoa candidata pode sim criar um processo com tantas etapas, com tanto levantamento de informação que simplesmente não são utilizados. Quando questionada sobre o tamanho, não sabem dizer como isso mudou o resultado final e ainda contam que houve atritos na organização durante o processo.
Se você realmente deseja ser um designer de sucesso, uma dica de ouro:
Busque a proporcionalidade entre seu esforço e a tarefa.
Entenda a realidade da empresa, entenda o tamanho do problema e porque cada um deles são importantes para a missão dela. Não comece nada sem compreender a finalidade. E então adapte. Negocie o processo na empresa – e entenda que será uma mudança progressiva até seu sonho. O Design Sprint do Google funciona como no livro porque o contexto do Google permite que seja assim. A metodologia Ágil precisa ser ajustada para a realidade de cada empresa que a adota.
Checklist de esforço
- Criar processos para iniciativas P, M e G, considerando as informações que a empresa já tem, suas capacidades e orçamento disponível;
- Verificar o tamanho potencial de cada oportunidade com que trabalha;
- Conhecer a capacidade de produção de tecnologia em cada sprint – para que você possa fatiar seu trabalho.
Compreendendo assim seu esforço, talvez sua cobrança consigo próprio mude.
O impacto do design
O design e outros guarda-chuvas de inovação carregam a tocha de trazer a mudança defendendo os interesses das pessoas reais. Buscam provocar discussões que girem o leme do navio corporativo em direção a uma terra melhor – mais próspera, menos concorrida, mais renomada.
A visão é boa. O trabalho é de Sísifo. Como você pode, ainda mais em áreas incipientes, sem gestores sêniores que dêem seu aval, realizar o que precisa ser feito? O discurso da empatia é muito convincente em artigos da grande mídia e em documentários, mas em geral afunda na hora da priorização do roadmap.
Em organizações menos maduras e arrojadas, o valor de design começa a se dialogar linha a linha de planilha. Sendo mais explícito: antes que você possa propor uma guinada radical de abordagem de produto, você precisa criar um histórico de impacto mensurável em pedaços da jornada. Antes que consiga produzir algo substancial de longo prazo, é inegociável revelar valor a curto prazo.
Esse pensamento de impacto tem muito a ver com a discussão que tive com a pessoa da minha equipe. Não podemos analisar as coisas somente à luz do quanto nos esforçamos – precisamos ter conversas maduras e verdadeiras sobre o quanto as coisas funcionam. E mesmo quando funcionarem, saibamos que haverá detratores. Nenhuma abordagem agrada a todos.
Quando seu esforço estiver alinhado não somente à filosofia de design, mas às necessidades corporativas, você pode começar a ter impacto.
A primeira camada do impacto só pode acontecer quando, em vez de sistematicamente se negar pois não concorda com a abordagem, você se compromete a fazer aquilo acontecer independente do que seja. São os olhos no alvo que liberam sua cabeça e energia para fazer alterações pequenas e especulativas no design – mais de uma – e pesquisas direcionadas baseadas em hipótese, todas contribuindo de maneira paulatina e certeira para o resultado. Você não quer jogar contra – você quer jogar a favor, fazendo tudo para encontrar aquele A-HÁ que permitirá fazer o ajuste final, a grande virada necessária para bater a meta do mês. É esse o papel que design, como facilitador, pode desempenhar.
A linha de pensamento desagrada a muitos designers. Parecem a eles que é ser conivente com negócios cujas práticas lhe são desagradáveis ou se distanciam por milhas dos modelos mentais dos consumidores. Entendo o incômodo — mas dificilmente você consegue acelerar a mudança de uma empresa de maneira abrupta. É um processo de aculturamento.
A inovação incremental é mais fácil de realizar que a disruptiva, até o patamar em que quase não existe opção senão realizar algo que rompa com o modelo atual, buscando um novo mercado ou modelo de negócios.
Seu maior aliado para realizar a mudança de impacto são os números. É por isso que se dá tanta ênfase a cursos de métricas de experiência do usuário, Analytics e empresas celebram seus Net Promoter Scores (NPS) e notas no ReclameAqui.
O que deixam de lado, muitas vezes, é a discussão de que um número não é nada sem qualidade. Pense nisso como em calorias de comida. 500 calorias em um hambúrguer são bem diferentes em nutrientes que uma refeição balanceada. Além disso, essas 500 calorias dependerão muito do corpo que as absorver – de sua idade, metabolismo, e por aí vai. E por fim, 500 calorias não decidem o seu corpo pro resto da vida. É o contínuo que vai determinar o que acontece com a pessoa.
Num contexto de negócios não é muito diferente – comemorar 60 pontos de NPS não quer dizer nada se você não souber a média de mercado, não observar como isso se relaciona com novos clientes ou retenção de clientes existentes, e não ficar atento a como isso muda ao longo do tempo. Um número isolado é uma foto. Não é um filme.
Checklist de impacto
- Esteja aliado de analistas de negócios para ter estimativas de iniciativas e comparar resultados
- Pense cientificamente: tenha uma célula de controle, e gradativamente introduza testes A/B
- Tenha hipóteses claras e debatidas. Trate cada mudança pequena como um bloco na grande mudança que quer provocar
- Procure referenciais de mercado para dimensionar o impacto
- Atenção a como os números mudam ao longo do tempo
Assim que você tiver uma massa crítica de impacto de curto prazo, você tem mais confiança – pessoal e na relação com os outros – e corpo para começar a propor coisas maiores, de mais duração e mudanças no processo.
Comece hoje
O caso sobre o qual conversei com a pessoa da minha equipe não decidiu a vida dela. O hambúrguer da noite passada não definiu o curso da minha saúde. É a clareza, aliada da consistência, que gera uma carreira brilhante e uma saúde boa – sem contar, claro, com o eventual acaso.
Você quer mesmo mudar a cultura de design na sua empresa?
Se você realmente quiser abraçar a causa e fazer o design ser respeitado em sua empresa, você precisa ter uma conversa séria e difícil sobre seu esforço e começar a analisar seu impacto. É um percurso. Comece hoje.