Thiago Dias, nosso ex-aluno do curso Design Thinking Specialisation e do Facilitation Experience no Rio de Janeiro, escreveu uma carta ao Don Norman contrapondo um artigo do Diretor do The Design Lab da Universidade da California, San Diego que foi publicado no blog da Adobe. Nesse texto, intitulado de “Why I Don’t Believe in Empathic Design“- em português: Porque eu não acredito em design empático – o autor explica porque não está convencido pela atual obsessão pela empatia. Abaixo, convidamos você a conferir a opinião do Thiago sobre o artigo de Don e a entrar nessa discussão conosco.
Além disso, convidamos você a conhecer a campanha que ele está a frente para publicar o primeiro livro sobre design e inovação em governos financiado de forma colaborativa do Brasil.
Uma carta para Don Normam
“Li o texto de Don Norman no blog da Adobe mês passado. Confesso que fiquei um pouco decepcionado. Estaria um dos pais da empatia, como a conhecemos hoje, negando aquilo que ajudou a construir?
Quando começamos a articular a Rede Novos Designs para Gestão Pública, logo me vi diante de um desafio: como conseguiria eu, no calor (sou do Rio né) das polarizações, juntar em uma mesma sala assessores políticos, designers, gestores e cidadãos comuns para caminharmos juntos rumo à uma gestão mais conectada, participativa e colaborativa? Exercitar empatia como ferramenta era o caminho óbvio para mim. Até que você, Don, me colocou para pensar. Será que entendi tudo errado?
Sim, Don, é verdade que não conseguiremos entrar na mente de milhões de cidadãos e cidadãs para entender seus pensamentos… mas é por essa exata razão que nunca deveríamos ter tido essa pretensão no passado. Os tempos mudaram e o designer, diferentemente de antes, precisa estar cada vez mais preparado para facilitar processos emergentes ao invés defini-los a ferro e fogo. A era dos projetadores encastelados chegou ao fim.
O que temos experimentado, na verdade, é que nosso trabalho acontece cada vez mais imerso nesse brasil-caldeirão-ardente. Mas dá para tomarmos certos cuidados e escapar de uma ou outra queimadura no processo, né? Dá. Para nós da Rede, isso envolve um forte respeito às vivências do outro, até mesmo aquelas que não vamos conseguir entender. Numa época onde informação se mede analisando Big Data, não adianta mesmo um idealismo ansioso para catalogar tudo que se passa nesses milhões de corações e mentes. Melhor deixarmos essa parte para os robôs.
Sim, Don, até concordo que o conceito de empatia ficou meio esvaziado e que há quem trate projetos de inovação em design como meros cases de sucesso. Um pitch após o outro, até que os palcos nos separem. Ser colaborativo está no hype (virou modinha), tem muito thinking e podia ter mais doing… A gente sabe, mas não dá para jogar o bebê fora junto com a água suja da bacia.
O que me chateou, Don, foi quando você escreveu que empatia é importante para se projetar para o outro. Talvez estejamos partindo de pontos diferentes. Empatia não deveria ser um meio para coisa alguma… É que, do jeito que eu penso, a matéria prima do designer de agora não são processos, mas pessoas. Esse profissional, um quase-xamã da pós-história (quem me conhece sabe que sou fã do Flusser), é aquele que desenvolve curiosidade e escuta suficientes para preencher o vazio que existe na idéia do “nós criamos para o outro”. Podemos baixar a bola? Podemos. Para projetar melhor os futuros que desejamos, precisamos mudar nosso paradigma de projeto para “nós criamos com o outro”.
Penso que trabalhar a empatia através do design é uma excelente forma com a qual um gestor público pode hackear um sistema polarizado e individualista, por exemplo, sustentando a conexão com quem está na ponta do balcão oferecendo um serviço do governo ou, num outro extremo, enxergando a dor de um cidadão que se percebeu excluído de serviços públicos básicos e por isso foi perdendo o entusiasmo com as conquistas da democracia. Repare que ninguém disse que seria fácil, ou rápido, mas é assim que empatia, colaboração e experimentação ganham mais significado.
Sim, Don, é verdade que o mundo mudou e está cheio de desafios e contradições. Uma sociedade hiper-complexa e hiper-conectada não produziria nada diferente de problemas hiper-capciosos, não é mesmo? Não acredito que é o designer que vai resolver tudo sozinho. É no mínimo suspeito que qualquer um de nós se proponha sozinho a resolver problemas como a segurança pública, o desemprego ou a fome.
O que me parece bem mais sensato, Don, é acreditar que sem recortes não existem soluções possíveis. Toda solução sempre será apenas uma solução para alguém, mas não para todos. E, veja bem, isso tem tudo a ver com design empático. Explico: penso que projetos relevantes são do mesmo jeito que as pessoas são: mutáveis e permeáveis aos estímulos e mudanças, sejam internos ou externos. Imagine agora se, por exemplo, governos inteiros e os serviços públicos que desejamos para o futuro fossem exatamente assim, adaptáveis às mudanças da vida, vivos como nós somos.
Não, Don, não somos hippies. Resultados são importantes, claro. Metodologias, canvas e sprints estão aí pra isso. Do meu ponto de vista, a culpa pelo fracasso eventual de projetos centrados no ser humano não é do excesso de empatia. É da falta de tempo. Ser empático com o outro demora, produzir confiança demanda tempo. Nesse sentido não tem blockchain que resolva. Mas que outra escolha temos se desejamos encontrar soluções para os grandes (e confusos) problemas nacionais?
Lembre-se que criar com o outro talvez seja a única forma possível de voltarmos a ver respostas que durem e continuem funcionando mesmo quando eu e você não estivermos mais por aqui. Todo projeto tem um fim: uma hora o designer tem que pegar seu macbook (risos) e voltar para casa. Quando penso na continuidade Rede, essa é uma angústia pessoal. Ações em rede tem resultados orgânicos, simplesmente porque a vida é assim.
Don, provavelmente você está certo quando escreve que empatia sozinha não muda o mundo, admito, mas tampouco sem ela teremos alguma chance de promover mudanças sistêmicas e duradouras – e também justas para todos quantos seja possível incluir. Ninguém disse que seria fácil resolver os impasses da gestão pública brasileira, não é mesmo?
Por isso formamos redes e nos mobilizamos. Estamos no fim do ciclo da campanha para publicar o primeiro livro sobre design e inovação em governos, financiado através da internet no Brasil. Nossa jornada nos levou para 8 cantos diferentes da cidade e até para fora dela. Conversamos com todo tipo de pessoa – gestores públicos, secretários, pesquisadoras, empreendedoras sociais, empresários e muitas dúzias de participantes. Porém, principalmente, diminuímos a velocidade para conseguir ouvir.
Aprendemos – fazendo – que não existe solução mágica para nenhum problema que envolva a gestão de algo que é de todos nós. Por isso é que acreditamos em design empático, simplesmente porque a vida é assim. É através da conversa que se exercita a empatia com o outro. E é com o outro que produzimos colaborações relevantes, projetos memoráveis e experiências significativas. Bom… pelo menos foi isso que eu entendi lendo você, Don.”
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Thiago Dias é designer por formação e antropólogo por escolha. Ex-aluno do Design Thinking Specialization e do Facilitation Experience na Echos. Faz parte da Rede Novos Designs para Gestão Pública e está se especializando em Pedagogia da Cooperação. Juntos, Thiago, Beatriz, Jéssica e Isabel articularam 8 encontros entre gestores, servidores públicos e designers nos meses de maio, junho e julho. Convidamos a todas e todos a pensar continuidades e desdobramentos dessa ação de rede.
A Rede Novos Designs, em parceria com a Bambual Editora, está em campanha para viabilizar o primeiro livro de design e inovação em governos financiado através de financiamento coletivo do Brasil.
A campanha
A rede Novos Designs para a Gestão Pública é uma iniciativa independente, que surgiu no Rio de Janeiro em maio de 2019, para juntar em um mesmo ambiente de troca e aprendizado designers e todos que atuam dentro ou fora da gestão pública promovendo projetos inovadores e participativos. Jéssica, Thiago, Beatriz e Isabel se uniram com vontade de influenciar positivamente a realidade que vivemos. E agora eles estão em campanha para publicar o primeiro livro sobre design e inovação em governos financiado de forma colaborativa do Brasil! Contribua!
A rede Novos Designs tem atuado como uma plataforma que expande as reflexões e aprendizados que o livro Impulsionando Inovações propõe. Até o dia 11/7, quando termina a campanha de crowdfunding, terão acontecido 8 encontros presenciais em pontos diferentes da cidade do Rio de Janeiro.
Para tornar tudo isso possível os participantes estão articulando parcerias com gestores do Min. Da Saúde, Agência Nacional de Saúde Suplementar, Sec. de Cultura da cidade de Nova Iguaçu além de organizações como Casa Firjan e Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio.
Que livro é esse?
O livro Impulsionando Inovações não é um livro para especialistas, mas sim para todos que, são cidadãos inquietos querendo entender como participar ativamente desse momento de transição que vivemos, para uma gestão pública mais participativa e colaborativa. Ele possui 64 páginas ilustradas e aborda assuntos como a transição do setor público para um mundo de governança em rede, ferramentas e metodologias do design que afloram a inovação quando focamos nas necessidades das pessoas e mostramos exemplos reais de iniciativas inovadoras em governos como o Gnova e o (011).Lab da prefeitura de São Paulo.
Se você também quer apoiar essa campanha recebendo seu exemplar em casa, ou adquirindo outra das nossas recompensas acesse www.benfeitoria.com/designgestaopublica e faça sua contribuição.
“Workshop: construindo um serviço público inovador: primeiros passos”
Uma das recompensas desse crowdfunding é um Workshop que acontecerá na Echos Rio de Janeiro, no dia 17/08 às 10h.
A partir de desafios de gestão pública reais e insumos levantados por participantes nos encontros da Rede Novos Designs para a Gestão Pública, vamos explorar de forma colaborativa algumas das estratégias do processo de design aplicadas a inovação de serviços públicos.
Orientados pela abordagem do Duplo Diamante, os participantes passarão por todas as etapas de resolução de problemas complexos e utilizarão a ferramenta da Jornada de Usuário para visualizar as soluções desenvolvidas – adquirindo conhecimento que poderá depois ser aplicado nos seus próprios trabalhos. Inscrições podem ser realizadas AQUI.