Quando eu ainda trabalhava em agências de publicidade, nunca foi um problema para as pessoas entender o que eu fazia. Mesmo em casos mais radicais, como explicar isso para a para minha vó, ainda era simples, era só falar assim: “Sabe esses comerciais da TV Vó? Então, eu ajudo a fazer!”.

Hoje em dia, trabalhando com Design Thinking na Echos, são poucas as pessoas que têm pleno conhecimento do que se trata. A grande maioria desconhece, e aquelas que se arriscam em dizer o que sabem sobre Design Thinking, fazem comentários do tipo: “Ah, Design Thinking, tem a ver com criatividade né? Tipo publicidade, essas coisas de agência né? Legal!”.

Quando eu ouço definições como essa sobre o Design Thinking, vejo o quanto as pessoas ainda sabem pouco sobre o tema, mas me alegra saber que sou criativamente comparado ao universo das agências, afinal, historicamente esses ambientes e seus profissionais sempre foram referências universais no assunto. Após mais de cinco anos estudando, lecionando e realizando projetos com o Design Thinking, hoje minha visão é que na verdade ele é exatamente o oposto ao universo publicitário. Uma vez li uma definição sobre a diferença entre o Design e a Publicidade que traduz bem esse pensamento:

“A Publicidade cria desejo nas pessoas por algo, o Design cria algo que as pessoas desejam”.

A Publicidade, juntamente com suas disciplinas correlatas como o Marketing e Vendas, trabalha muito com o convencimento e o encantamento sobre algo. É a arte de agregar valor. É pegar uma “coisa” pronta gerar desejo em torno dela, independente dela ser ou não naturalmente desejável pelas pessoas. Mas e se essa “coisa” não tiver tanto valor assim? Não importa, o papel da Publicidade é adicionar valor. Já o Design faz diferente, ele questiona, e se esse valor não for suficiente então ele recria a “coisa” com base no que tem valor para as pessoas. Afinal, algo que realmente é relevante não precisa ser convencido que tem valor.

Essa prática de ficar embelezando e empurrando “coisas” para as pessoas que podem não ser tão boas assim, é um dilema que todo o publicitário vive diariamente. Eu mesmo passava por isso constantemente, principalmente trabalhando na área de Planejamento na agência. Meu trabalho era mergulhar profundamente em todos os aspectos do negócio do cliente. Porém, quanto mais me aprofundava, mais clareza eu tinha que não era com uma bela campanha de comunicação que íamos resolver os problemas que o cliente possuía.

E então, como nós publicitários, seres munidos de uma pulsante confiança criativa e ego peculiar, lidamos com essa frustração? Fácil, forçando uma barra para atribuir à comunicação a difícil tarefa de resolver tudo. E para convencer o cliente disso, mais uma história bem contada sempre resolvia. E há até quem forçasse ainda mais a barra tentando transformar a publicidade numa arma para acabar com as mazelas do mundo, tentando criar movimentos, gerar causas, provocar pessoas, engajar mudanças. Tudo muito lindo, mas ainda é só sobre a comunicação, que muitas vezes tem um impacto muito limitado.

Isso durante muito tempo fez sentido para mim. Do alto da minha cadeira giratória e ao frescor do ar condicionado, de fato eu acreditava que uma campanha publicitária ajudaria a salvar o mundo, mas tudo isso mudou quando eu conheci o Design Thinking e vivi na pele o que é impacto de verdade. Hoje vejo que melhorar a vida de apenas uma pessoa, criando algo de real valor, é mais impactante que uma campanha de três minutos no intervalo do Fantástico.

Outra grande diferença clássica é que no Design não estamos presos a um formato de entrega. Em uma agência de publicidade mesmo que você descubra problemas mais latentes e urgentes de serem resolvidos, você muitas vezes é obrigado a entregar uma peça de comunicação, afinal o seu cliente, por mais que concorde com essa problemática, também é pressionado para botar uma campanha no ar.

A imagem abaixo explica bem do que a inovação é feita e a grande diferença entre o caminho diferente que as agências de publicidade e o Design Thinking seguem.

Para a inovação acontecer ela tem que contemplar a intersecção de três fatores:

 

Ao ler esse texto você pode achar que eu estou falando mal da publicidade e das agências, mas não estou, eu apenas agora entendo que elas são organizações muito bem-intencionadas que muitas vezes têm que se contentar em atuar em apenas uma parte “pequena”, porém muito significativa do negócio que é a comunicação. Deixar de ser reconhecidas por apenas comunicar é uma estratégia que não é de hoje que as agências tentam trilhar, e acredito plenamente que esse é o caminho da reinvenção desse modelo de negócio que está cada dia mais defasado.

Muitos me perguntam se eu voltaria a trabalhar em agências de publicidade, e a resposta é sim. Apesar das limitações e pela defasagem do modelo de negócio, eu aposto muito no potencial das agências ainda. Além de serem ambientes formados por pessoas com alta confiança e performance criativa, as agências têm, e por um bom tempo continuarão tendo, algo único que empresas de Design como a Echos estão conquistando agora: a confiança e admiração dos clientes / mercado, principalmente quando o assunto é a criatividade.

Dito tudo isso, chego ao momento que tento responder à pergunta do título:

“Como o Design Thinking pode reinventar as agências de publicidade? ”

Como eu bem falei, eu voltaria a trabalhar em agências, mas definitivamente não voltaria para fazer as mesmas coisas que fiz quando estive por lá

Diferente do que muitos podem achar, o Design Thinking não é uma ferramenta, tão pouco um workshop ou um substituto da metodologia que as agências já têm. Ele nada mais é do que um modelo mental para se chegar na inovação com foco no ser humano. Sendo assim, por ser um jeito de pensar (o pensamento por trás do Design em uma tradução literal) ele pode ser aplicado em qualquer contexto e cenário, e não é capaz de reinventar apenas as agências de publicidade, mas qualquer tipo de negócio.

Com a minha curta experiência de pouco mais de seis anos em grandes agências tradicionais do mercado, compartilho com vocês como, na minha opinião, o modelo mental do Design Thinking pode reinventar as agências na prática:

MENOS EGO, MAIS ECO

Popularmente diz-se que os profissionais da área de Criação são os “criativos”. Os demais profissionais da agência o que são?  Não deveriam ser chamados de criativos também? O cliente não deveria ser alguém criativo também?

Brincadeiras à parte, o dom da criatividade, mesmo dentro das agências, tem um formato muito centralizado, ainda muito pautado nos “criadores” e naqueles que dão suporte a eles. Tudo isso contribui para a proliferação do ego de quem cria e é recompensado por isso. O pensamento do design preza pela colaboração, pela multidisciplinaridade e pela inteligência coletiva. É sair de um “Egossistema” e construir de fato um Ecossistema nos processos criativos.

NÃO SE PRENDA SOMENTE À COMUNICAÇÃO E SUAS LIMITAÇÕES

A essência do negócio das agências é a comunicação, principalmente a veiculação dessa comunicação na mídia. Sendo assim, fatalmente a entrega esperada pelos clientes é uma peça de comunicação. Porém, quanto mais próximas as agências ficam de seus clientes, mais entendem de seus negócios e mais enxergam que existem problemas maiores para ser resolvidos, e que uma peça de comunicação não irá resolvê-los. Até cogita-se entregar outras coisas que não sejam comunicação, mas isso acaba sendo não priorizado e as ideias não são levadas a diante. Mas como equilibrar então a entrega do que acreditamos versus aquilo que é nosso papel como agência? É exatamente nesse ponto que o modelo mental do Design Thinking pode ajudar.

O pensamento do Design minimiza a principal barreira da inovação: o risco. O Design Thinking exorciza um demônio que as empresas tanto temem chamado “erro”. Se você errar sem gastar muito tempo, sem gastar dinheiro e aprendendo muito, por que o erro então é um problema? Um pequeno protótipo ajuda a tirar as ideias do papel, e realizar um teste junto aos consumidores lhe permitirá um nível de aprendizado sobre a ideia com qualidade suficiente para compartilhar esse experimento com o cliente.

 

CRIANDO PARA APRENDER, NÃO PARA ENTREGAR

Muitas vezes, quando se cria uma peça de comunicação, a agência só descobre o que os consumidores acharam da campanha depois que ela foi lançada. Estamos muitas vezes falando de 3 a 4 meses criando algo. Essa é a cultura de criar para entregar, e o que o Design Thinking ensina é que devemos primeiramente criar para pensar sobre aquilo, e nesse momento a participação dos consumidores é fundamental.

Quanto mais tempo passamos criando algo sem dividir com os futuros impactados, acabamos criando para nós mesmos, algo imbuído dos nossos valores, sem contar que isso gera um apego enorme que nos impede de ver as imperfeições.

Sendo assim, não espere ser convidado a acompanhar um grupo numa sala de espelho para saber o que as pessoas acham do seu trabalho. Use as peças de comunicação não como algo a ser veiculado, e sim um artefato de gerar conversas e uma ferramenta para entender melhor o que as pessoas pensam e querem. Não espere o relatório da Trend Watching, bote o pé na rua e a barriga no balcão e traga esse conhecimento para dentro hoje mesmo.

A SUA RESPONSABILIDADE NÃO ACABA NO LANÇAMENTO

É comum a agência se responsabilizar por apenas parte do resultado de uma campanha. Por exemplo, por muito tempo trabalhei com o mercado automotivo, onde nossas campanhas off-line de massa tinham a promessa de gerar awareness e levar o consumidor até algum canal de venda. O que acontecia do momento que ele chegava no ponto de venda, até uma eventual compra ou não, já não dizia mais respeito a nossa entrega. Aí o pensamento vigente era: “Se o carro vender, mérito também nosso, se não vender a culpa não é nossa”.

O pensamento do design tem como prática a iteração, que é processo de análise, acompanhamento e melhoria constante sempre que possível. Isso é entender o processo como um todo e sempre que identificar uma melhoria, tome isso para você e resolva. Muitos problemas do cliente são invisíveis aos nossos olhos, e até mesmo uma solução de comunicação que está na nossa alçada poderia resolvê-los, porém não resolvemos eles pois nos atentamos apenas a nossa entrega.

Em resumo, uma ideia que eu tenho para reinventar as agências é fazer um pouco do que fazemos aqui na Echos. Em suma, o nosso trabalho é através da empatia, colaboração e experimentação, fazer com que nossos clientes, muitos deles clientes das agências também, recuperem sua confiança criativa, tornando-os cada vez menos dependentes da criatividade vinda dos profissionais das agências.

Se você trabalha em agência e essa minha ideia te pareceu ser um “tiro no pé”, no sentido que estimular a criatividade dos clientes irá diminuir a relevância das agências, isso é um sinal que seu modelo mental ainda não está preparado para a inovação e as mudanças que estão imergindo no mundo, e principalmente nos negócios. Se você pensa assim se acalme, você não está sozinho. Cada vez mais estamos recebendo em nossos cursos publicitários aflitos com as incertezas do mercado, preocupados com os rumos de suas carreias e projetos.

Não é fácil mudar o modelo mental e não é do dia para a noite que isso acontece, mas o modelo mental do Design Thinking tem se provado eficiente em ressignificar os negócios. As agências, que por muito tempo não sentiam a necessidade de repensar seus modelos, agora começam a enxergar no design uma saída para continuar sendo relevantes e voltar a causar impacto que outrora a comunicação sozinha realizava.

 

 

Ricardo Ruffo

Ricardo Ruffo is a born entrepreneur, educator, speaker and explorer. As a writer by passion Ricardo daydreams on how the world is changing fast and how it could be.

Ruffo is the founder and global CEO of Echos, an independent innovation lab driven by design and its business units: School of Design Thinking, helping to shape the next generation of innovators in 3 countries, Echos – Innovation Projects and Echos – Ventures. As an entrepreneur, he has impacted more than 35.000 students worldwide and led innovation projects for Google, Abbott, Faber-Castell and many more.

Specialist in innovation and design thinking, with extensions in renowned schools like MIT and Berkeley in the United States. Also expert in Social Innovation at the School of Visual Arts and Design Thinking at HPI – dSchool, in Germany.

Naturally curious, love gets ideas flying off the paper. He always tries to see things from different angles to enact better futures. In his free time, spend exploring uninhabited places around the world surfing.