O Brasil é o quinto maior mercado de vestuário do mundo, movimentando 42 bilhões de dólares (ou quase 150 bilhões de reais). Representa um dos principais setores da economia brasileira e apresentou, entre os anos de 2006 e 2011 segundo o SEBRAE-SP, um crescimento médio duas vezes maior do que o PIB nacional.
Mas nessa história existem muitos lados que poucos ainda conhecem. O documentário The True Cost, do diretor Andrew Morgan, traz uma visão excelente nesse sentido, mas não menos crítica sobre o que acontece ao longo da cadeia de produção e as inúmeras externalidades negativas que a indústria da moda gera.
“O que há por trás de uma camiseta de US$ 10?”
O conceito de “fast fashion”, que ficou conhecido como “moda acessível”, ganha uma nova perspectiva no documentário. O que se tem presenciado é uma moda descartável, “barata” e que esconde inúmeros custos.
Custos ambientais, visto que: a indústria da moda é a segunda indústria mais poluidora do mundo, apenas perdendo para indústria do petróleo; há o uso intensivo de pesticidas e de agentes químicos, tornando o processo de produção extremamente agressivo ao meio ambiente; consome também um volume gigantesco de água nos processos de beneficiamento e acabamento. Além disso, quando se fala do processo de confecção há uma enorme sobra de materiais. Esse desperdício vira lixo e, na maioria dos casos, é descartado inadequadamente.
Além, é claro, dos custos sociais. Com o movimento de descentralização da produção para países periféricos, há casos recorrentes de uso de mão de obra escrava ou em condições de trabalho degradantes. O filme mostra ainda os constantes acidentes de trabalho e os poucos dólares que os trabalhadores ganham em jornadas de trabalho exaustivas.
Outro agravante apontado pelo filme é o consumo. Consome-se hoje 500% mais peças de vestuário do que há duas décadas e pouco entendemos do impacto disso além do que consta na fatura do cartão de crédito. O filme nos leva a refletir que ao adquirir um produto, podemos acabar provocando desmatamento, instabilidade climática, ocasionando seca, falta d`água, sofrimento a outras pessoas, entre outras consequências.
O outro lado da moeda
Em busca de modelos de negócios e de produção muito mais justos, humanos e sustentáveis, pessoas, organizações e empresas estão trazendo novas formas de gerar valor e reinventando a cadeia produtiva da indústria da moda. Querem ir além de levantar bandeiras para o consumo consciente. Querem ressignificar processos e relações.
Assim, diversas mudanças estão acontecendo. O interessante é notar que essa ressignificação não se restringe a apenas buscas de novos materiais 100% sustentáveis. Algumas empresas do setor estão utilizando, por exemplo, mecanismos de zero waste (desperdício zero – materiais que podem voltar ao estado original e ser transformados novamente em produtos iguais em todas as suas características) e upcycling (uso de materiais no fim de vida útil na mesma forma que estão, mas que ganham uma nova utilidade de maior valor, uso ou qualidade).
Além disso, promovem a valorização das relações de trabalho e as relações de consumo. Por utilizarem essas técnicas produtivas de reaproveitamento de materiais, negócios conseguem valorizar (inclusive economicamente) as pessoas que atuam ao longo do processo produtivo. Até porque trabalhar com materiais reaproveitados costuma ser mais trabalhoso e exige uma mão de obra dedicada. Também aplicam os princípios do comércio justo, visto que buscam promover a equidade social, a proteção do ambiente e a segurança econômica através do comércio, conscientizando os consumidores e tornando a cadeia produtiva sustentável.
Do ponto de vista macro, a ressignificação também acontece no modelo de negócio. É impossível pensar em formas mais justas e sustentáveis para o mundo e impactar positivamente a sociedade se não houver novos modos de gerar valor.
Como tudo isso acontece na prática
Conheça alguns exemplos de negócios brasileiros que estão fazendo a diferença:
Greentee
A partir de um modelo 1 para 1, a cada peça vendida da Greentee, uma outra é doada para uma instituição infantil. Até o momento a empresa já vendeu mais de 6500 camisetas, o que significa dizer que a mesma quantidade de crianças foram beneficiadas.
Para a sustentabilidade do negócio acontecer há um rígido planejamento e controle da produção, bem como o uso intensivo de reaproveitamento de materiais, sem desperdício. Além disso, as peças são confeccionadas com algodão orgânico e material PET.
Retalhar
A Retalhar é um negócio socioambiental de logística reversa têxtil. Transforma resíduos de tecidos, especialmente uniformes, em outros produtos. Assim, realiza todo o trabalho de reciclagem dos tecidos descartados e os reinsere no mercado com diferentes finalidades, da construção civil a indústria automobilística. Também com os resíduos produz peças de brindes, como bolsas e porta-objetos. Assim, evita-se que toneladas de tecido sejam destinados a aterros.
Insecta Shoes
A Insecta Shoes nasceu de uma parceria entre Bárbara Mattivy e Pamella Magpali. Nasceu também da experiência da Barbara como proprietária de um brechó online, o Urban Vintagers e da Pamella como dona de uma marca de sapatos artesanais, a MAG-P Shoes. Dessa fusão, as duas começaram a aproveitar materiais e tecidos de brechós e criaram uma linha de sapatos que além de realizar o reaproveitamento dos insumos, não utiliza nenhuma matéria prima de origem animal. O solado, por exemplo, é feito de borracha triturada.
Peças produzidas artesanalmente com materiais atóxicos, veganos e reaproveitados (upcycicling)
O resultado são peças de vestuário que além de trazerem uma história são feitas de modo artesanal e altamente customizadas: nenhuma peça é igual a outra.
A estampagem vem do processo de garimpo que a Insecta faz pelo Brasil (Porto Alegre, Campo Grande e São Paulo) e também no exterior, bem como de tecidos feitos de PET reciclado. Além disso, todos os sapatos e acessórios são 100% únicos não só pelas estampas mas pelo cuidado em personalizar cada peça.
Segundo nos contou, para Barbara a Insecta é movida pela vontade de devolver diretamente ao planeta, ajudando socialmente alguém ou o meio ambiente. Afinal, “o papel do empreendedor não é só enxergar o lucro”.
Visão essa que fez ainda mais sentido quando participou da última turma do Inovação Social. Viu no curso que há grandes negócios acontecendo no Brasil e no mundo que são capazes de unir a transformação social e serem rentáveis, porque rompem o paradigma da escassez. É possível criar relações, negócios e sistema em que todos ganham.
Depois dessa experiência, para Barbara, a lógica do ganha-ganha-ganha que vivenciou na Escola Design Thinking fez ainda mais sentido para continuar empreendendo na Insecta Shoes e reforçou para ela o papel socioambiental que a empresa possui no universo da moda. Questionada sobre o significado de negócio e empreendedorismo social, acredita no equilíbrio entre a lucratividade do negócio e o impacto que gera na sociedade.
Como visto, a indústria da moda está passando por profundas transformações. Afinal, o modelo mental que conduz o mundo também está mudando. Como todo momento de transformação, estamos diante concomitantemente de modelos mentais novos e velhos. Que geram abundância ou que geram escassez. Nessa encruzilhada, cabem às empresas, organizações e governos qual caminho seguir.
O fato é que há um mundo abundante emergindo em que todos esses atores são capazes de propor soluções aos problemas mais complexos de forma mais justa e ampla, beneficiando a sociedade como um todo, não apenas alguns indivíduos.
A inovação passa a atingir o patamar social, como aquela capaz de gerar impacto positivo em larga escala, resolvendo os desafios socioambientais do mundo.
Sob esse espectro, o conceito de inovação social extrapola a ideia de que trata de uma área da inovação, mas que, representa, a evolução da inovação. A inovação social é e será o novo motor para pensar e resolver problemas que atingem toda a sociedade.
É preciso quebrar o tabu de que a inovação social está restrita a um setor da economia, tradicionalmente o terceiro setor. Toda organização, negócio ou indivíduo que queira resolver problemas sistêmicos pode – e deve – se apoiar no modelo mental, ferramentas e conceitos que a inovação social oferece.