Neste artigo, convidamos você a esquecer o que te ensinaram sobre como a energia elétrica chega na sua casa.

A lógica de geração, transmissão, distribuição e consumo é a mesma desde que a cadeia de fornecimento de energia foi concebida pela primeira vez, há mais de 100 anos.

A incorporação de modernas tecnologias de informação no processo de fornecimento da energia irá mudar não só a forma como usufruímos este recurso, mas também a forma como socialmente o encaramos.

Em alguns países, usuários já podem vender energia para uma distribuidora local. Eles também podem comercializar energia entre si, pagando menos do que a energia fornecida pela distribuidora.

O mercado de energia elétrica está evoluindo e você é o centro desta mudança.

Qual o seu papel nesta cadeia?

A tomada da sua casa não é uma fonte misteriosa de energia. Tradicionalmente, a energia que você utiliza nos seus equipamentos é gerada por usinas bem grandes que estão bem distantes da sua casa. Para chegar nos grandes centros de consumo, essa energia é transmitida por longas linhas de transmissão.

Para que você possa utilizar a energia em casa, as distribuidoras recebem a energia das linhas de transmissão e, literalmente, a distribuem para que você possa utilizar nos seus equipamentos.

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Crédito: Copel

Só que você, o usuário de energia elétrica, sempre atuou como mero consumidor neste processo. Neste sentido, usuários sempre foram conduzidos a pensar o consumo de energia como o consumo de qualquer produto (pão ou batata), e a pagar um preço que é fixo e proporcional à quantidade do recurso que é consumido.

Isso porque as empresas que interagem com os usuários finais, as distribuidoras de energia, são empresas privadas que atuam como monopólios em determinadas regiões e lucram à medida que vendem o seu produto.

No entanto, estamos lidando com um recurso que é limitado e escasso, ou ainda, um recurso que, além de essencial, é um bem comum e deve ser tratado como tal.

Um problemão…

Um processo de fornecimento de energia, da forma como é realizado atualmente, não é feito de forma otimizada. Além das perdas ocorridas através das longas linhas de transmissão, uma característica relevante é o fato de que a energia é utilizada de maneira diferenciada ao longo do dia.

O perfil típico de consumo é caracterizado por um pico que normalmente acontece no período entre às 18h e 21h, pico conhecido como Hora de Ponta. Neste período, o consumo máximo chega a superar em quatro vezes o consumo médio ao longo do dia.

Logo, dado que a rede é dimensionada para atender a demanda em qualquer instante, tem-se que toda a rede de energia é superdimensionada para atender ao consumo em cerca de 12% das horas do dia, período corresponde ao horário de ponta.

Perfil-diário-consumo-energiaPerfil diário de consumo de energia para consumidores residenciais.

Fonte: Pesquisa de Posses e Hábitos de Consumo de Energia Elétrica, realizada pelo Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (PROCEL)

A cadeia de fornecimento de energia do futuro não é uma cadeia, é um ecossistema de trocas energéticas.

Por que chamamos de ECOSSISTEMA a cadeia de fornecimento de energia do futuro?

A resposta é que chegamos ao fim da cadeia linear e hierárquica de suprimento de energia. Estamos evoluindo para um ecossistema vivo de trocas, sendo que vários novos players estão surgindo para otimizar a utilização deste recurso.

Todo o mercado de energia elétrica está evoluindo para colocar o usuário de energia no centro deste ecossistema e essa talvez seja a principal disruptura deste novo modelo.

O futuro do mercado de energia tem como principal objetivo inserir o usuário de maneira ativa em todas as fases do processo e este é apenas o primeiro passo para criar um ecossistema que seja realmente distribuído, autônomo e voltado para a sociedade.

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Crédito: Eletrobras

Em suma, existe uma infraestrutura imensa que pode ter sua utilização maximizada por novas aplicações, não só diminuindo as perdas no transporte da energia como também aumentando a taxa de utilização das redes de distribuição de energia já existentes.

Recursos Energéticos Distribuídos: o usuário em primeiro plano

Promover a participação efetiva do usuário no processo de fornecimento é uma alternativa bastante interessante – e viável – de equalizar a oferta com a demanda de energia de maneira menos onerosa, aumentando a eficiência do processo e diminuindo a necessidade de explorar novos pontos de geração que, na sua maioria, geram enorme impacto ao meio ambiente, além de demandar montantes elevados de recursos financeiros.

Muito tem sido veiculado sobre a microgeração distribuída de energia e como as fontes de geração alternativa irão possibilitar o acesso deste recurso ao usuário de uma maneira mais próxima.

A microgeração é uma alternativa muito interessante pois diminui os problemas das perdas de energia no processo de transporte pelas linhas de transmissão. No entanto, mais do que a geração, existe uma família de recursos que também podem ser utilizados de forma distribuída, aumentando a eficiência do uso da rede de energia.

Os recursos energéticos distribuídos ou, em inglês, Distributed Energy Resources (DERs), constituem um conjunto de soluções que são implementadas por toda a rede de energia de forma distribuída, visando otimizar a operação desta rede. Esta classe pode ser subdividida em quatro aplicações ou soluções fundamentais:

(i) eficiência energética, que consiste na implementação de equipamentos mais eficientes, que realizam a mesma tarefa que os antigos, mas consomem menos energia;

(ii) controle de demanda, que consiste na aplicação de equipamentos de gestão de consumo dos equipamentos e programas de incentivo para promover um consumo consciente de energia pelo usuário;

(iii) geração distribuída, que, como já falado, possibilita ao usuário gerar a sua própria energia; e

(iv) armazenamento distribuído, que consiste na implementação de soluções como bancos de baterias ou carros elétricos para reter uma determinada quantidade de energia a ser utilizada quando o usuário precisar.

O ponto principal a ser evidenciado é que, além do caráter distribuído, todas estas soluções possuem o usuário como principal ponto de contato.

Em síntese, o usuário, que antes era tratado apenas como mero demandante e sempre esteve na ponta da cadeia, pode assumir uma posição ativa já que dispõe de uma série de equipamentos que conferem um maior grau de liberdade e nível de consciência na utilização do recurso.

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Neste novo cenário, o usuário tem capacidade de gerar e armazenar a própria energia, além de possuir sistemas de gerenciamento, que o ajudam a controlar o seu próprio consumo e comandar os equipamentos da casa de forma programada.

Estes sistemas de gerenciamento estarão conectados a programas de incentivos que funcionarão como gatilhos externos para que o consumo de energia ocorra da forma mais eficiente possível, seja gerando mais ou consumindo menos nos horários em que o sistema apresenta pico de demanda.

Um destes mecanismos é a tarifa diferenciada de energia, que impõe um custo mais alto pela energia comprada da distribuidora nos horários em que o sistema está em sobrecarga, como o horário de ponta.

Todas estas inovações surgem para tornar o sistema de fornecimento de energia mais inclusivo, de modo que podemos esperar que surja no usuário a tão desejada consciência de consumo, entendida aqui como algo mais amplo que somente consumir o mínimo possível.

O que se espera é despertar um sentimento de pertencimento no usuário que passa agora a se sentir inserido no contexto de aproveitamento deste recurso.

Usuários como Energy Traders: As construções energeticamente inteligentes

A aplicação dos recursos energéticos distribuídos ao longo da rede de energia possibilita o surgimento de um novo conceito de rede de energia, que envolve aspectos tecnológicos, sociais e que possui um grande potencial de inovação em modelos de negócios neste setor.

Fazendo um paralelo, podemos comparar esta evolução do mercado de energia com a revolução do mercado de comunicação com o surgimento da internet.

No passado, a disseminação de informação e conteúdo pela sociedade era extremamente monopolista e hierárquica, o que mudou radicalmente com o advento da internet na medida em que esta possibilitou qualquer usuário produzir, gerir, acessar e compartilhar qualquer tipo de conteúdo de forma nunca antes imaginada. Desta forma, podemos dizer que estamos evoluindo para uma internet da energia.

Com toda a sociedade migrando para modelos mais distribuídos de organização, a rede de energia do futuro surge como um suporte para que os espaços urbanos sejam energeticamente sustentáveis.

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E falando em espaços urbanos, do ponto de vista energético, como serão as construções do futuro?

Dispondo dos recursos energéticos distribuídos, as construções do futuro poderão aproveitar de diversas maneiras os recursos energéticos disponíveis.

Em vez de apenas demandantes de energia, neste novo contexto, os usuários terão uma conexão bilateral com a rede, ou seja, eventualmente o usuário pode também inserir na rede o excedente de energia produzido pelo seu sistema de microgeração.

A melhor solução, do ponto de vista de eficiência do sistema, é sempre otimizar a utilização do recurso em rede, principalmente se pensarmos que grande parte das fontes limpas de energia são intermitentes, ou seja, variam de acordo com a disponibilidade do recurso, seja ele o brilho do sol ou a força do vento.

Os sistemas de microgeração irão transformar recursos naturais renováveis como a irradiação solar e a força dos ventos para produzir a energia necessária e, sempre que a geração exceder a demanda por energia, o excedente pode ser armazenado para um uso posterior.

Carros elétricos serão utilizados como formas dinâmicas de transporte de energia. Já imaginou carregar a bateria do carro com a sua energia eólica durante a noite e, pela manhã, transferir esta energia para o seu escritório ao conectar o carro neste novo local?

Além disso, Bancos de Baterias serão utilizados para armazenar energia nestas construções para uso em situações de emergência ou para que esta seja inserida na rede em momentos de maior conveniência e, por momentos de maior conveniência, podemos tratar também da conveniência financeira.

O mercado de energia do futuro funcionará para os usuários como hoje funciona uma bolsa de valores. Os usuários terão acesso aos preços horários de compra e venda de energia e sistemas autônomos irão operar as construções para que estas maximizem os seus resultados a longo prazo.

Nesta bolsa de valores de energia, as construções energeticamente inteligentes atuarão como Traders de energia, identificando tendências de preço do mercado e decidindo a cada instante o que fazer com o seu excedente de energia gerado.

Neste novo mundo, cada nó de conexão da rede possui autonomia para operar de forma independente, quando observaremos a formação de uma rede de usuários que geram, gerenciam e compartilham energia de forma similar ao avanço ocorrido com a disponibilização de conteúdo na internet.

Desta forma, teremos efetivamente uma internet da energia dando suporte a um modelo mais ecossistêmico e conectado de sociedade.

Novos modelos de negócios no ecossistema

A evolução de um modelo estritamente centralizado e monopolista de fornecimento de energia para outro completamente distribuído e colaborativo possibilita o surgimento de diversas novas tecnologias e novos modelos de negócios que podem operar neste ecossistema.

Novos modelos já estão trabalhando com os recursos energéticos distribuídos para criar grandes disrupturas neste mercado, mudando completamente a forma como os negócios são feitos neste setor.

Da mesma forma que, do ponto de vista energético, este sistema está caminhando para um modelo distribuído, startups estão surgindo com diversas novas soluções para o mercado, quebrando a cadeia de fornecimento em diversos players que nunca haviam sido pensados no modelo antigo.

Para dar um gostinho do que anda acontecendo mundo afora, aqui estão alguns exemplos de startups que merecem o destaque por estarem revolucionando a forma como os usuários se relacionam com este recurso:


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1) A Solarcity e a Vivint são pioneiras em vender a energia gerada por painéis solares como prestação de serviço. As empresas instalam os painéis na casa do consumidor sem custos, utilizando um modelo de comodato, e garantem que a energia gerada pelos seus painéis é mais barata que a energia fornecida pela distribuidora;

mosaic2) A Mosaic é um marketplace que une investidores privados interessados em financiar projetos de energia solar distribuída. A empresa funciona como um crowdfunding e investe os recursos obtidos em projetos de geração em escolas e estacionamentos, garantindo aos seus investidores taxas de retorno superiores a muitas aplicações financeiras disponíveis na atualidade;

3) A Yeloha! chega ao mercado com o seguinte lema: “você não precisa mais de um telhado para se conectar à energia solar”. Este é um marketplace que conecta usuários que possuem uma boa área disponível para instalação, mas não possuem recursos financeiros, com usuários que não possuem área alguma, mas dispõem do recurso financeiro para tal. Nesta plataforma, o usuário-investidor viabiliza a instalação do sistema na casa do usuário-gerador e, como contrapartida, destina para ele parte da energia gerada pela disponibilização do espaço.

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4) A Vandebron é uma das startups que estão mais avançadas na revolução este mercado ao possibilitar aos usuários a compra e venda de energia entre si, sem qualquer intermédio da distribuidora local. Por meio da plataforma, qualquer usuário pode acessar, comparar o preço de energia de diferentes produtores, conhecer a sua história e tomar decisões de compra da energia que será utilizada por um determinado período. Além disso, a plataforma viabiliza a relação direta entre o consumidor e o produtor, permitindo uma maior conexão interpessoal entre os dois lados do processo, o que, aliás, é premissa da economia do compartilhamento. O negócio é celebrado na própria plataforma, sem interferência de qualquer agente.

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(5) A Transactive Grid e a Grid Singularity dão um passo à frente e propõem uma revolução maior ainda através de um novo tipo de mercado de energia, operado estritamente por consumidores. Estas startups desenvolveram uma tecnologia que permite a compra e venda de energia por vizinhos, evitando a necessidade de uma autoridade central como as distribuidoras de energia (ou até a plataforma da Vanderbron) por ser construído sobre uma tecnologia chamada blockchain. O blockchain foi inicialmente concebido para dar suporte à moeda bitcoin e visa dar segurança através da criptografia de listas de transações. Neste cenário, conseguiriamos realmente transacionar a energia gerada e consumida por usuários de forma independente, sendo que a própria rede seria responsável pela gestão e controle da troca do recurso.

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6) A SolarCoin, por sua vez, utiliza a tecnologia do blockchain para criar a primeira crowdfunded feed-in tariff do mercado de energia. Chamamos de feed-in tariff a tarifa paga para os usuários pelo excedente de energia elétrica gerada através de um sistema de microgeração. Esta startup remunera pessoas com uma moeda digital alternativa por gerar energia solar, uma moeda para cada 1MWhr de geração solar. Com a circulação da moeda, usuários passarão a, efetivamente, dar incentivos uns aos outros usuários pela geração através de fonte solar, o que é uma enorme quebra de paradigma.

Além de novos modelos de negócios, pequenas e grandes empresas surgem como grandes desenvolvedoras de tecnologias para este mercado de energia do futuro.

A Tesla é talvez o maior exemplo de inovação no desenvolvimento de tecnologias para este novo mercado, sendo a pioneira no desenvolvimento de Carros Elétricos e sistemas residencias de armazenamento de energia que funcionam acoplados a sistemas de geração solar.

Tesla carroCrédito: Tesla

A união do desenvolvimento de tecnologias disruptivas com novos modelos de negócios irá mudar completamente a forma como lidamos com este recurso no futuro e dará suporte a um mundo mais conectado, feito por pessoas, que já se faz visível em iniciativas como o Movimento Maker, a Economia Compartilhada, dentre outros.

Como dito pelo visionário Jeremy Rifkin, estamos caminhando para uma sociedade cujo custo marginal de produção de qualquer coisa tende a zero e o mercado de energia do futuro é um pilar fundamental para consolidar este novo paradigma.

A boa notícia, caros leitores, é que este futuro está bem próximo. Todas estas tecnologias e iniciativas apresentadas aqui neste artigo estão disponíveis e logo mais poderão ser utilizadas por qualquer usuário.

No Brasil, já é possível trocar energia com a rede da distribuidora e a tarifa diferenciada já está disponível para o usuário que quiser optar por esta forma de tarifação. Além disso, empresas como o Pague Verde e a GreenAnt já estão propondo inovações substanciais que impactam diretamente na vida do usuário, seja na disponibilização de benefícios pela redução do consumo ou através de novas ferramentas para gerenciamento deste consumo, respectivamente.

E você? Está pronto para mudar radicalmente a forma como consome energia? Se você é ousado e quer empreender criando negócios disruptivos como esses que mencionei, te convido a conhecer o ENACT. Um programa para empreendedores rebeldes, que estão buscando romper paradigmas vigentes e querem criar negócios de alto impacto que irão mudar o mundo. Se o impossível te atrai, saiba mais sobre o ENACT aqui!


* Texto originalmente publicado no site Futuro das Coisas. Para acesso na íntegra, clique aqui.

Echos_HeiderBerlinkHeider Berlink faz parte do time da Echos – Laboratório de Inovação como co-coordenador do curso ENACT – Enabling Action For Better Futures. Formado como “Engenheiro Eletricista e Mestre em Smart Grids, atualmente é CEO e Co-Fundador do PagueVerde, programa de benefícios para usuários que querem reduzir o consumo de energia, e pesquisador de novas tecnologias e novos modelos de negócios para o mercado de energia elétrica. Atua também como consultor e mentor de startups na área de inovação e modelagem de negócios.

Ricardo Ruffo

Ricardo Ruffo is a born entrepreneur, educator, speaker and explorer. As a writer by passion Ricardo daydreams on how the world is changing fast and how it could be.

Ruffo is the founder and global CEO of Echos, an independent innovation lab driven by design and its business units: School of Design Thinking, helping to shape the next generation of innovators in 3 countries, Echos – Innovation Projects and Echos – Ventures. As an entrepreneur, he has impacted more than 35.000 students worldwide and led innovation projects for Google, Abbott, Faber-Castell and many more.

Specialist in innovation and design thinking, with extensions in renowned schools like MIT and Berkeley in the United States. Also expert in Social Innovation at the School of Visual Arts and Design Thinking at HPI – dSchool, in Germany.

Naturally curious, love gets ideas flying off the paper. He always tries to see things from different angles to enact better futures. In his free time, spend exploring uninhabited places around the world surfing.