Nas minhas aulas e palestras uso a definição de liderança como a capacidade de unir pessoas para solucionar problemas complexos.

E hoje, um dos dados da complexidade é que a tal da transformação digital é inevitável. Com isso estamos vendo uma explosão de tentativas de implementação de novos modelos organizacionais, squads e métodos ágeis para as organizações ganharem velocidade de resposta em um contexto de aceleradas mudanças. A inovação se tornou uma obrigação.

Uma das principais dificuldades de adoção desses novos modelos não está no uso das ferramentas disponíveis e sim no entendimento de que esses novos modelos exigem novas formas de pensar, aprender, interagir e gerir.

ESTRUTURAS DE COMANDO E CONTROLE 

Boa parte das estruturas de tomada de decisão que imperam sobre a humanidade, sejam elas políticas, organizacionais ou sociais, passam por um modelo centralizado de comando e controle que é muito bem materializado pelos famosos organogramas das organizações. Quem está no topo toma a decisão e quem está na base executa. A dificuldade de entender novos modelos está no fato de que as grandes referências existentes são modelos de comando e controle.

Peter Drucker, no final da década de 80, disse: “O Protótipo da organização moderna é a orquestra sinfônica. Cada um dos seus duzentos músicos é um especialista de alto nível. Contudo, sozinha, a tuba não faz a música: só a orquestra pode fazê-lo. E isso só acontece porque todos os músicos têm a mesma partitura. E todos tocam uma peça musical de cada vez.” Grande referência da administração, Drucker, apesar de num primeiro momento parecer inspirador, entrega uma analogia perfeita para as estruturas de comando e controle: a orquestra sinfônica liderada pelo maestro.

Quem não gostaria de ser um grande maestro (líder) dentro de uma organização? Antes de responder a essa pergunta é importante aprofundar um pouco mais na analogia.

Quem é o responsável criativo pela elaboração das peças? O maestro, claro. Ou seja, toda a tomada de decisão está nas mãos dele.

O que sobra para a orquestra se não a obrigação de tocar com perfeição a partitura estabelecida, com o a obrigação da excelência na execução sem espaço para desvios do padrão estabelecido. Um ambiente de trabalho rígido, sem espaço para o erro em uma rotina de trabalho previsível e repetitiva. Pensando bem, como estrutura de uma organização parece ir exatamente contra os novos modelos de trabalho, certo?

Estressando um pouco mais a analogia, veja na imagem como é a disposição clássica de uma orquestra. Maestro ao centro, em uma posição mais elevada, músicos dispostos em formato de U, todos virados para o maestro. Toda a lógica de comunicação é unidirecional, do maestro para os músicos, sem possibilidade de interação entre os músicos.

Essa mesma disposição centralizada está presente nas salas de aula, nos congressos e em boa parte das organizações onde o chefe está nos andares mais altos ou em salas de vidro com visão privilegiada de toda a força de trabalho.

Sistemas de comando e controle nasceram em tempos onde a informação era considerada a maior fonte de poder. Onde mais informação era igual a mais poder.

O problema de modelos de comando e controle é que, quando vem acompanhados de um contexto de grande volume de informações, aumentam a necessidade dos subordinados de se voltarem para os líderes, fornecendo mais informações e exigindo mais decisões. E com isso é minimizado o contato e a interação com o ambiente externo. E organizações que perdem a capacidade de se conectar com o Zeitgeist, acabam perdendo a relevância.

Além do desafio da interação com o ambiente externo, sistemas de comando e controle impedem a colaboração e a interação lateral já que as pessoas acabam sendo avaliadas em sistemas de performance individuais, competitivas e agressivas. E como a inovação se dá através da interação entre as pessoas, quanto maior o controle, menor vai ser a capacidade de inovação.

Se a analogia do maestro como líder parece não fazer sentindo, o que seria um modelo compatível com um contexto de transformação digital e necessidade constante de inovação?

JAM SESSIONS E A LIDERANÇA DINÂMICA

Assim como os squads, as bandas mais contemporâneas de jazz são formadas a partir de estruturas hierárquicas mais flexíveis, equipes menores, trabalho colaborativo, agilidade de resposta e capacidade de improviso com competência.

No jazz, as jam sessions são feitas a partir da interação que emerge da improvisação. Músicos que, muitas vezes, sem nenhum ensaio prévio tocam sem saber o que vai vir pela frente e entregam o melhor de cada um para a construção da genialidade coletiva que se expressa na música. Apesar de todos terem o seu momento para o solo, a dinâmica é de colaboração para construir a melhor música e não de competição para ver que faz o melhor solo.

A inovação acontece entre as pessoas, a partir da inteligência coletiva e interagindo com o que emerge. O líder não precisa saber a resposta, mas precisa saber como navegar na complexidade. As respostas prontas geralmente são a expressão do pensamento cartesiano que ignoram a complexidade e, por isso, tem grande chance de falhar.

A liderança no jazz é dinâmica. Assume quem vai fazer o solo. E o papel do resto da banda é fazer a base para enaltecer o solo de quem está momentaneamente liderando. Trazendo a liderança dinâmica para o contexto dos negócios, assume a liderança quem tem a visão criativa para dar o direcionamento do projeto ou quem tem a competência técnica necessária para o momento.

Jim Kalback em seu talk no TEDx JerseyCity traz alguns aprendizados importantes da improvisação do jazz para a colaboração:

EMPATIA

Cada um traz algo único pro palco. Mas é apenas quando estão juntos que a grande música acontece. Jazzistas falam em ”BIG EARS” que significa ouvir aos outros mais do que ouve a si mesmo quando está tocando.

ABRAÇAR A INCERTEZA

Jazzistas experimentam em tempo real, o tempo todo. E eles entram em cada performance com a mente aberta (mente de um iniciante). E eles estão dispostos a abraçar o desconhecido.

SEGUIR PADRÕES CONVENCIONAIS

Abraçar a incerteza não significa tocar o que você quer. No jazz existem diversas estruturas. Existem padrões de estrutura, de melodia que os jazzistas sabem obsessivamente. Apenas quando as rotinas são internalizadas as improvisações podem acontecer a superfície.

O papel do líder nesses novos contextos de transformações organizacionais para a inovação não é apontar na direção da inovação mas sim criar o contexto para a inovação possa emergir do time. E para isso é preciso criar um campo de segurança para o florescimento da liberdade criativa e da autonomia.

Como os líderes podem se inspirar no jazz para criarem esse contexto de inovação?

SAIA DA DEFENSIVA E ACEITE O ERRO

O estado de defensiva é uma barreira para a interação verdadeira do time. E o erro, se for encarado como parte fundamental de aprendizado, deixa de ser apenas o erro e passa a ser o salto evolutivo da inovação. Como disse Miles Davis, “se você não está cometendo um erro, isso já é um erro”.

DIGA MAIS “SIM” DO QUE “NÃO”

Assuma que você fará a coisa acontecer de alguma forma, com o que tem em mãos. Existe uma oportunidade em todas as situações.

TODOS TÊM SEU TEMPO PARA FAZER O SOLO

Ao se colocar ao lado da equipe, dar autonomia para que eles cuidem de tarefas do início ao fim, será recompensado com produtividade, motivação e amadurecimento do time sem deixar de ser o líder.

LUDICIDADE É COISA SÉRIA E LUCRATIVA 

A ludicidade relaxa, estimula a criatividade e quebra as barreiras do medo de se expor. O medo de se expor e de receber críticas é o principal engavetador de boas ideias.

 PROVOQUE AS COMPETÊNCIAS DAS PESSOAS

A melhor forma de construir novas habilidades é provocar seus pares e liderados para que eles se arrisquem em caminhos a que não estão habituados.

IMPROVISAR É NEGOCIAR

Aprender a improvisar é aprender a negociar minuto a minuto, característica fundamental para o trabalho em equipe.

Frank Barret, uma das grandes referências desse olhar do jazz para os negócios e autor do livro Sim à desordem define: “Um sistema emergente é mais inteligente que cada um de seus membros. E os sistemas se tornam mais inteligentes com o passar do tempo. A mentalidade do Jazz reconhece a coerência emergente no meio do fluxo constante.”

Quanto tempo dermos para os times interagirem nesse novo modelo, mais inteligentes eles vão ficando como times.

Entendo que essa mudança do modelo mental industrial, focado na excelência da reprodução das mesmas coisas para um modelo mais distribuído de tomadas de decisão que impulsionam a inovação não seja uma tarefa fácil. Mas é fundamental um novo comportamento e estabelecer um ritmo de atuação mais dinâmico.

QUAL TIPO DE LÍDER VOCÊ QUER SER?

Claro que, pelo viés de inovação e design deste que escreve esse artigo, deixo claro que o modelo inspirado no Jazz faz muito mais sentido para o mundo hoje. Mas não podemos ignorar o fato de que nesse momento de transformação das organizações ainda são necessários modelos de comando e controle com foco na excelência na reprodução das mesmas coisas. Por isso, a intenção desse texto não é indicar um caminho único, mas sim indicar um caminho novo (?) para que os líderes tenham consciência de suas escolhas na forma de liderar. É possível ser maestro em determinados momentos e contextos e ser “jammer” em outros. É tudo uma questão de desafio, contexto e visão.

E você, consegue identificar momentos para os diferentes tipos de liderança? Sabe como criar contextos para que seus times possam inovar?

Se quiser saber um pouco mais, dá uma olhadinha no meu curso na Descola de Liderança Dinâmica e/ou fique atento às experimentações com banda jazz que tenho feito na Echos. 🙂

Mario Rosa

Designer de Futuros Desejáveis. Mario é Sócio e Responsável pela Echos Portugal, Brand Strategist e Design Thinker. Foi responsável pelo Echos Brasil por quatro anos antes de assumir a expansão europa. É diretor da Abedesign (Associação Brasileira das Empresas de Design). Acredita que estamos vivendo um novo paradigma de visão de mundo e que o design concentra as habilidades necessárias para desenhar novos cenários e construir um futuro mais equilibrado.
Atuou como brand strategist por mais de 9 anos e desenvolveu grandes e premiados projetos de branding como a marca dos jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016 com o time Tátil e a marca do principal movimento cooperativista brasileiro, a SomosCoop, com o time Bertoni. Liderou e facilitou cursos e jornadas de inovação para líderes de grandes empresas com a Echos Escola Design Thinking. Desenvolveu conteúdos e experiências de aprendizagem com os temas confiança criativa, inovação, design, mindset da inovação e liderança dinâmica.
Acredita que estamos vivendo um novo paradigma de visão de mundo e que o design concentra as habilidades necessárias para desenhar novos cenários e construir futuros desejáveis. Acredita também que a criatividade é parte essencial da natureza humana e que, em um mundo de explosões de novas tecnologias, o desenvolvimento da criatividade faz parte de uma jornada de nos tornarmos mais humanos.