Qual foi a última vez que você efetivamente parou e observou como as coisas acontecem na natureza? Talvez na sua última viagem de férias ou assistindo a um programa da National Geographic. Mas e se alguém te dissesse para fazer isso com o objetivo de resolver um grande problema que você tem na sua empresa? Se você se sentiu cético ou desconfortável com essa hipótese, é porque precisa conhecer mais a biomimética, uma ciência que se inspira na natureza para resolver qualquer tipo de problema.

Para falar um pouco mais sobre o assunto, entrevistei Alessandra Araújo, bióloga com vivência em sustentabilidade, urbanismo e inovação, profissional de Biomimética, pelo Biomimicry 3.8, e nossa professora de Biomimética em nosso curso de Especialização em Design Thinking. Já faz alguns anos que Alessandra tem aplicado seu conhecimento em diversas áreas profissionais e pedimos para ela dividir um pouco desta história com a gente:  

ECHOS: Pode nos contar um pouco sobre você e sua trajetória profissional?

ALESSANDRA: Costumo dizer que sou bióloga por dois motivos: por causa de uma plantação de feijão em algodão molhado na qual eu ficava completamente maravilhada de como ela poderia brotar e crescer, e outra pelo meu avô, que me levava para pescar em uma fazenda da família, cuidar dos animais e ele me mostrou esse olhar amoroso para tudo que está vivo. Minha incessante  vontade de aprender aliada a curiosidade sem fim sempre me moveu para outras áreas de aplicação do conhecimento (ela trabalhou como gerente de expansão na Walmart Brasil, na Brasil Telecom e foi sócia de um escritório de arquitetura). Foi em 2007, quando fiz um curso na Inglaterra ( Schumacher College) sobre Urbanismo e Sustentabilidade que conheci a biomimética. Em 2012 fiz a especialização em Biomimética na Biomimicry 3.8 nos EUA, em 2015  especialização em biomimética na Universidade do Arizona. Desenvolvi o Votu Hotel na GCP e depois não havia mais como desativar minha “bióloga”. Saí do escritório de arquitetura em 2017 e criei o bio-inspirations, empresa que atua na educação e na consultoria para inovação bioinspirada.

ECHOS: O que é a biomimética?

ALESSANDRA: Criação e inovação inspirada na natureza, uma conjunção entre ciência, jornada criativa e desafio para ser solucionado. Falo bastante que são novas lentes para percepção da vida, um olhar sempre curioso e questionador. Para a biomimética é importante observar e estudar como a natureza realiza seus processos, que são inúmeros. O “como” faz  a ponte entre a ciência e criação. Isso significa ter o entendimento de como a natureza faz aquilo que você quer que seu design faça. Lógico que este entendimento deste “como” tem várias escalas e graus de profundidade. Às vezes um novo olhar traz soluções incríveis que não havia sido pensada. Acredito muito na inteligência da vida, e a biomimética ajuda muito a manifestar esta capacidade criativa.  A biomimética pode ser tanto aplicada para criar produtos, materiais, estruturas coisas tangíveis, quanto para assuntos intangíveis, como melhorias na comunicação, estratégias de gestão e de inclusão e ideação para novos serviços.

ECHOS: Como ela se relaciona com inovação e design?

ALESSANDRA: Ela tem como matéria prima a curiosidade e criatividade. É um convite para voltar a ser criança – parar para observar esses “comos” e fazer milhões de “por quês”.

A maior semelhança é que a gente desconstrói muito para entender onde está o problema, ele sempre é bem mais profundo do aquilo que o cliente traz. E através deste processo de ver com profundidade qual o desafio, conseguimos obter a essência e através dela  fazemos a correlação do que precisa ser feito para resolver o desafio. É a partir do “como” que vamos fazer conexão com a natureza para buscar inspiração. É um processo para ser vivido, muito mais do que ser explicado. O “sentir” é a nossa comunicação com a vida.

ECHOS:  Tem exemplos?

ALESSANDRA: Como sócia do escritório de arquitetura participei do projeto de idealização e criação do Votu Hotel, localizado na Bahia, que se inspirou em soluções da fauna e flora para promover melhor conforto térmico nos edifícios e menor impacto ambiental para sua operação. Ele foi inspirado no cão da padraria (que faz suas tocas enterradas no solo com entradas e saídas de ar com altura e diâmetro distintos permitindo que o vento/brisa sempre possa entrar e ventilar sua toca), nos cactos (que possui capacidade de criar sombreamentos) e nos tucanos ( que tem um bico que permite termo regulação).

Além disso, existem muitos outros exemplos:  uma turbina de energia eólica chamada wale power inspirada na forma das barbatanas da baleia jubarte  (as lâminas nervuradas desse tipo de turbina eólica produzem 32% menos atrito e 8% de deslocamento de ar que as lâminas lisas convencionais) e um dos mais conhecidos é o trem bala no Japão, que  para diminuir seu ruído que extrapolava padrões de poluição sonora, se inspirou na aerodinâmica do bico da ave martim-pescador, que precisa mergulhar para se alimentar e consegue fazer isso silenciosamente apesar da velocidade e mudança drástica de ambiente.

ECHOS: Como temas intangíveis que aparecem nos desafios das empresas são tratados pela Biomimética, gerando soluções inovadoras?

ALESSANDRA: O maior aprendizado é a maneira que a natureza faz inclusão. Nela não existe nada que esteja fora, nada que não faça parte do sistema. O que entendemos que não faz parte é apenas um julgamento humano. Todos os valores intangíveis das empresas – como comunicação e engajamento – têm muito a ver com criar esses pontos de conexão, portanto já começam com uma necessidade de inclusão. E trabalhar esses temas com biomimética ajuda a sair do mindset tradicional para criar soluções realmente inovadoras.

ECHOS: Quais os principais aprendizados que você teve trabalhando com a biomimética e inovação?

ALESSANDRA: Um dos principais é que, quanto mais você tem conexão com o fluxo da vida, e quanto mais presente você estiver, mais a intuição aflora.  A intuição é um fenômeno da natureza, aquilo que emerge, e é aí que surge o processo de insight nos processos de criação.

Poucas empresas valorizam a intuição porque o sistema educacional que temos está bem ultrapassado. É um entendimento muito forte da neurociência  que o aprender tem a ver com o sentir, com a experiência e com o corpo.

O segundo ponto é criar um espaço de colaboração com uma alegria intrínseca. Toda vez que você se inspira em um organismo para criar a partir dele, surge uma alegria, porque todos têm essa memória de conexão com a natureza, com a infância e com o viver.

Terceiro ponto: sair do óbvio e da linearidade de que existe uma resposta pronta para cada problema. No Biomimicry Thinking olhamos mais para a essência do tema do que para sua superfície.

ECHOS: Quais são os grandes pilares da biomimética?

ALESSANDRA: A biomimética tem três grandes pilares: 1) ética, que é como você vai criar com biomimética respeitando o mantra da natureza: a vida  cria coisas propícias para a continuidade da vida. 2) Reconexão  Lembrar que nós somos a natureza   3) Princípios da vida – conjunto de valores que transcrevem o fluxo de manutenção da vida.  ( os princípios criam analogias lindas para as criações e estabelecem critérios de alto valor agregado)

ECHOS: Tem alguma dica para ajudar a tangibilizar a biomimética em projetos?

ALESSANDRA: Toda vez que você for criar algo pergunte se a natureza já não fez isso antes, porque são 3.8 bilhões de anos de vida, de alguma forma ela já resolveu algo parecido e  os exemplos que temos na natureza são alinhados com como a vida está operando  no planeta hoje. As condições de vida mudam o tempo todo – e a natureza tem sabedoria de operar em condições de impermanência.

ECHOS: Como tem sido a experiência no curso? Como tem ajudado os alunos?

ALESSANDRA: O que me deixa muito contente em aplicar biomimética nos cursos de design thinking é que eu dou a aula no momento de ideação, que é quase a reta final da formação e as pessoas já estão muito abertas à desconstrução. Além disso, estão vivendo o desafio real do cliente com muita  intensidade e profundidade. Adoro ver como sempre existe uma surpresa de como a natureza tem milhões de estratégias para fazer o que ela faz, pois vivemos em um automatismo no qual não olhamos como a natureza tem milhões de processos, e formas para resolver as coisas. Quando somos estimulados a observar, quando trazemos isso por esse olhar surge uma admiração desta forma tecnológica-mágica de que a natureza opera. Esse olhar de admiração é um dos componentes  que permitem que dê certo a prototipagem com a biomimética e faz surgir ideias maravilhosas para os projetos. Nos pitchs de apresentação tem sempre muitos sorrisos.

A biomimética é um dos diversos assuntos que você pode vivenciar em nosso curso Design Thinking Specialisation. Para saber quais outros assuntos abordamos em nossos cursos, clique aqui.

 

Ricardo Ruffo

Ricardo Ruffo is a born entrepreneur, educator, speaker and explorer. As a writer by passion Ricardo daydreams on how the world is changing fast and how it could be.

Ruffo is the founder and global CEO of Echos, an independent innovation lab driven by design and its business units: School of Design Thinking, helping to shape the next generation of innovators in 3 countries, Echos – Innovation Projects and Echos – Ventures. As an entrepreneur, he has impacted more than 35.000 students worldwide and led innovation projects for Google, Abbott, Faber-Castell and many more.

Specialist in innovation and design thinking, with extensions in renowned schools like MIT and Berkeley in the United States. Also expert in Social Innovation at the School of Visual Arts and Design Thinking at HPI – dSchool, in Germany.

Naturally curious, love gets ideas flying off the paper. He always tries to see things from different angles to enact better futures. In his free time, spend exploring uninhabited places around the world surfing.