Vivemos tempos fascinantes e, ao mesmo tempo, difíceis, com vozes múltiplas que parecem nunca dialogar. Nos chocamos com as opiniões das pessoas, sofremos com a intolerância, enrijecemos posicionamentos e nos isolamos em torres de certezas e superioridades morais. Paradoxalmente, sabemos que sozinhos não funcionamos; nossa maior capacidade evolutiva é a nossa capacidade de trabalharmos juntos, apoiarmos uns aos outros para criar coisas que só seriam possíveis por meio da colaboração. E para isso precisamos de mecanismos que nos façam baixar a guarda e voltar a nos conectar uns com os outros. Um desses mecanismos é a facilitação. Para falar um pouco sobre o assunto, entrevistamos Cuca Righini, a coordenadora do nosso curso de especialização em facilitação (Specialisation in Facilitation Design).

Pode nos contar um pouco como sua trajetória te tornou uma especialista em facilitação?

Acredito que isso vem um conjunto de fatores. Primeiro, me formei em arquitetura por sempre me interessar por cidades, comunidades humanas e como a pessoas se juntam e criam um jeito de fazer coletivo. Somado a isso, sempre houve uma busca por autoconhecimento, que exerci por meio da ioga e do teatro. Até que comecei a dar aula- e me aprofundei na compreensão de como as pessoas aprendem. Foi aí que percebi o grande impacto que a qualidade da comunicação tem na qualidade da vida das pessoas e o quanto essa está muito mais relacionada à compreensão dos códigos culturais do que ao domínio do léxico e da gramática. Se comunicar está para além de falar e ouvir. É preciso ter a disposição de se conectar com as pessoas. O que, na cultura na qual estamos vivendo, envolve desenvolver um outro paradigma mental e uma nova atitude diante da comunicação e da fala, mas a disposição de se conectar com a pessoa.  É a partir dessa compreensão que tenho desenvolvido meu trabalho, juntando Design e ferramentas como a Comunicação Não Violenta, para alavancar conversas e conexões mais profundas que tenham o poder de gerar impacto sistêmico nas organizações.

Qual o conceito de facilitação?

A facilitação passa a existir a partir do momento em que o sujeito compreende que é imperativo criar junto, que sua visão é apenas uma e também insuficiente para lidar com a complexidade do desafio que ele tem pela frente. Porém, no contexto cultural onde a grande maioria de nós foi educado, a estrutura que predomina é a da dominação. Assim, se eu quiser gerar conhecimento colaborativamente e alavancar a inteligência coletiva, preciso usar formas de comunicação pautadas em outro paradigma relacional: a mediação.  Sem a mediação não há um ambiente inclusivo, pois carregamos muito a herança deste modelo onde existe sempre um ser dotado de saber – como o  professor, por exemplo, pautado em crenças que o saber está fora de nós. Se eu trabalho a partir daquilo que cada ser humano tem de melhor, se eu quiser alavancar essa riqueza, preciso quebrar esse modelo, onde o outro não tem fala, e criar outro diferente deste.

Qual a importância de trabalharmos e construirmos juntos?

O médico, psicoterapeuta e professor da disciplina Gerenciamento da Complexidade na São Paulo Business School, Humberto Mariotti fala das comunalidades , que são questões de âmbito global que não tem condições de serem resolvidas somente dentro das fronteiras nacionais (Aids, drogas, efeito estufa, exclusão social entre outros) que demandam urgentemente uma abordagem pautada no ser humano e no pensamento sistêmico. E segundo Otto Scharmer, economista alemão, professor do MIT e autor do livro Teoria U, essas comunalidades, que ele chama de pontos nevrálgicos de desconexão, são frutos dos pontos cegos gerados a partir de três rupturas fundamentais no sistema operacional da cultura predominante hoje no planeta: a nossa desconexão com a natureza, a nossa desconexão uns com os outros e a nossa desconexão interna, eu comigo mesmo. Ele diz que em algum momento entendemos que viver neste planeta era difícil que os recursos eram escassos e que é essa visão de escassez que provoca os pontos cegos e as desconexões. Se os recursos são para poucos, é preciso competir e controlar esses recursos e por isso construímos toda uma cultura pautada em dominação, comando e controle. Porém, hoje a humanidade tem tecnologia e conhecimento suficientes para fazer coisas grandiosas, como ir para lua, portanto existe inteligência para resolver a fome e as doenças. É tudo uma questão cultural na qual vejo o outro como inimigo para minha felicidade, uma visão específica de nossa cultura patriarcal e ocidental. Falta uma visão sistêmica. Falta integrar a compreensão de que somos a natureza e isso é um dos nossos maiores pontos cegos. Paradoxalmente, no século XXI, o avanço tecnológico, principalmente o da tecnologia da informação e da internet, nos trouxe uma conexão na qual é possível vermos os impactos – a própria tecnologia ampliou nossos pontos cego.  Chegamos em uma época com uma conexão como nunca se viu antes a partir dos meios tecnológicos. Agora, precisamos alavancar as pessoas para entregar valor que a máquina não entrega, e isso é o que faz a facilitação.

Mas a tecnologia não cria a polaridade e a individualidade?

A tecnologia é só o meio, o que importa é a intenção – usamos a tecnologia para nos isolar porque as habilidades de conexão interpessoal não estão desenvolvidas e isso é uma questão cultural e não tecnológica. Se você não tivesse celular, estaria promovendo encontros significativos com amigos e gerando espaços de comunidade em seu bairro ou sua cidade? Agora o que falta é a “tecnologia social”, que é a capacidade de criar ambientes de conversas, discussões de qualidade, trabalhos de co-criação e facilitação de trabalhos coletivos. O pensador e filósofo inglês Theodore Zeldin tem projetos intervenções urbanas de alavancagem de conexão humana através da criação de ambientes de conversa em locais inusitados, como supermercados, ônibus, garagens, que são simplesmente geniais.

Como podemos usar seus princípios para lidar com conversas difíceis?

Essa tecnologia social prescinde de habilidades socioemocionais de quem se propões a fazer a facilitação  (eu posso facilitar uma conversa estando dentro ou fora dela). As conversas difíceis acontecem pelo fato das pessoas terem a tendência de se identificar com seus pensamentos e sentimentos. Muitas vezes ficamos tão identificados que não conseguimos dar um passo para trás para olhar o que está acontecendo com o outro, não conseguimos usar empatia – que é a capacidade de se descolar dessa identificação com seus próprios pensamentos e emoções, para se conectar com uma nova possibilidade que o outro me traz. Podemos tirar valor de um confronto, mas precisamos ter habilidades socioemocionais.  

Humberto Maturana, neurobiólogo chileno, co-criador da Teoria da Autopoiesis,  diz que gostamos de nos classificar como seres racionais, mas que de fato somos seres emocionais- somos mais sensação e emoção, mas racionalizamos o que nos emociona para agir no mundo. Porém racionalidade não é suprimir uma emoção, é assumi-la ao mesmo tempo abrindo mão da ilusão de que sou a emoção – sou capaz de me descolar da emoção e enxergar o ponto de vista do outro. Por exemplo, saber que se está triste, mas ter consciência que existe outra pessoa alí, também com outras emoções e sentimentos.

Como tirar o melhor de dois sentimentos ou opiniões opostas?

É aí que entra o design e a inovação. O design não trabalha com respostas – em vez de deduzir a resposta rapidamente, crio hipóteses de possibilidades . Trazer essa mentalidade para a comunicação cria uma possibilidade de ação conjunta que não exclui nada – não é a resolução cabal do problema – mas a transformação em situações preferíveis, não abafando as coisas mas fazendo elas emergirem. Não quero resolver os problemas – se eu estou triste e você eufórica, como fazer algo emergir disso? Segurar esse campo do “não saber” até que emerja algo.

Como dar feedback?

Se estamos em uma situação onde estamos criando juntos ou passando por uma mesma situação – é fundamental não nos colocarmos em situação superior. O jeito de falar faz toda a diferença. Temos que comunicar com o seguinte preceito: daqui do lugar onde estou, eu estou vendo isso (diz a situação que você está vendo), como é isso para você?  Mas deixo claro que isso é uma parte da visão. É parecido com aquela imagem do swarming de pássaros voando junto: o tempo inteiro eles comunicam onde estão, do lugar que estão. Não há superioridade, nem inferioridade, mas uma altíssima capacidade de conexão e movimento. 

Se interessou sobre o tema? Estamos com turmas abertas para nossos cursos:

Facilitation Experience  – Para desenvolver habilidades básica de facilitação

Specialisation in Facilitation Design – Para se tornar um especialista em facilitação

Ricardo Ruffo

Ricardo Ruffo is a born entrepreneur, educator, speaker and explorer. As a writer by passion Ricardo daydreams on how the world is changing fast and how it could be.

Ruffo is the founder and global CEO of Echos, an independent innovation lab driven by design and its business units: School of Design Thinking, helping to shape the next generation of innovators in 3 countries, Echos – Innovation Projects and Echos – Ventures. As an entrepreneur, he has impacted more than 35.000 students worldwide and led innovation projects for Google, Abbott, Faber-Castell and many more.

Specialist in innovation and design thinking, with extensions in renowned schools like MIT and Berkeley in the United States. Also expert in Social Innovation at the School of Visual Arts and Design Thinking at HPI – dSchool, in Germany.

Naturally curious, love gets ideas flying off the paper. He always tries to see things from different angles to enact better futures. In his free time, spend exploring uninhabited places around the world surfing.