Este texto é uma reflexão sobre alguns aspectos do mundo contemporâneo e seus conceitos de complexidade que impactam como entendemos sociedades e organizações para agirmos e pensarmos de forma diferente.

Parte 1: Sobre o Velho e o Novo Mundo

 Vamos começar pensando no mundo de antigamente. Por exemplo, 100 anos atrás. Pouquíssimos carros nas ruas. Uma variedade muito pequena de bens de consumo, um mercado relativamente muito estável. Durante muito tempo o mundo seguiu seu curso de uma forma lenta, previsível e controlável. As questões e problemas eram mais simples e objetivos. O sentimento era de estabilidade, de previsibilidade. Era uma época em que você escolheria uma profissão a seguir e ficaria empregado na mesma empresa por toda sua vida até se aposentar com tranquilidade e segurança.

Nesse mundo linear, o indivíduo se submetia ao grupo, acabava abrindo mão da sua individualidade, pois era mais seguro viver no rumo previsível. As grandes decisões eram tomadas por poucas instituições centralizadoras e essas decisões eram acatadas e seguidas por todos (ou quase todos).

Nas últimas décadas, as tecnologias vieram se desenvolvendo, quase sem muita gente perceber, até o inevitável impacto que estamos vivenciando hoje. A tecnologia da informação se tornou cada vez mais poderosa e mais democrática. Um telefone celular, o acesso a internet por exemplo, está cada vez mais acessível para a população.

Nosso potencial de comunicação de hoje em dia permite que MUITAS decisões sejam tomadas, ao mesmo tempo e por muitas pessoas. Se antes o indivíduo seguia os padrões vigentes, hoje toma as suas próprias decisões. Decisões individuais que podem até parecer insignificantes, mas que quando somadas e conectadas a uma massa, se tornam muito relevantes.

Se antes o mundo era lento e previsível, agora o mundo é dinâmico e imprevisível. As novas tecnologias e arranjos sociais estão transformando o mundo e tudo está ficando cada vez mais ACELERADO. Hoje cada pessoa conectada é uma ferramenta de mobilização e engajamento, cada indivíduo trabalha e produz
conhecimento original, de forma quase que totalmente autônoma. Um grande exemplo disso que estou dizendo é o Wikipedia. Perceba que muitas pessoas utilizam o Wikipedia e confiam nele, mas quem escreve são pessoas como qualquer um. Portanto o conhecimento e a informação vêm de todos os lados.

Há apenas 20 anos você precisaria ser dono de uma rede de televisão para fazer chegar informação aos espectadores. Hoje você consegue impactar o outro com o aparelhinho que está no seu bolso por meio das mídias sociais.

Estamos vivendo um incrível momento de transição em todas as camadas – social, econômico e político. Estamos todos tendo que aprender a viver nessa nova realidade. O que antes funcionava, hoje pode não funcionar. Quem antes tinha o sucesso garantido, hoje talvez esteja sofrendo problemas para se adaptar. Quem antes tinha certeza, hoje talvez tenha dúvidas.

Bem-vindo ao mundo da complexidade. Um mundo onde todas as variáveis não param de se transformar e de forma cada vez mais acelerada. Um mundo múltiplo, variado, contínuo, interligado e inesperado. Onde tudo parece, e é incontrolável.

Esse mundo novo é praticamente fundamentado em mudanças que todos observamos dia após dia em nossas vidas, rotinas e mercado. Percebemos como a tecnologia e os novos hábitos sociais estão diretamente conectados e alterando a forma como nos comportamos.

Antigamente nós buscávamos a segurança trabalhando em uma empresa sólida, almejando isso para a vida toda. Provavelmente, nos tornávamos especialista em algo com uma rotina previsível e estável. Muitos repetiam o dia-a-dia de trabalho de forma bem contínua e linear. Na maioria dos casos, no âmbito profissional, não era necessário se preocupar com nada mais a não ser cumprir sua função e seguir seu plano de carreira. Dava uma sensação de tranquilidade manter esse modelo de vida.

Já hoje podemos olhar para trás e ver uma mudança violenta devido ao impacto tecnológico e democratização da informação. Mais pessoas no mundo, mais informação, mais troca dessa informação, mais tecnologia e consequentemente, mais serviços, produtos, problemas, desejos, desafios e por aí vai.

O mundo se multiplica e logo tudo se multiplica junto. Essa mudança foi rápida e quase que repentina pelo olhar das pessoas que estão imersas em suas rotinas.Acontece que não existe mais espaço para um modelo de vida totalmente linear, seguro e previsível. Para nos adaptarmos a essa complexidade de mundo e seus sistemas, precisamos adquirir habilidades opostas de uma máquina, de seus códigos e algoritmos. Precisamos ter uma hábito e pensamento flexível, aberto, fluido, intuitivo e criativo, precisamos olhar para todos os lados de forma diferente. Mas afinal, o que é um sistema complexo e como percebemos as mais minuciosas restrições e oportunidades nesses sistemas?

Parte 2: Sistemas

Um sistema é um composto por partes interativas e interdependentes. É formado por elementos, camadas, estruturas e partes que, através de suas inter-relações condicionam e redefinem, constantemente, o funcionamento e comportamento do sistema como um todo. Pode parecer confuso. Mas o conceito é bem simples. Vamos ao exemplo mais claro para todos. Pense em VOCÊ!

O seu corpo é um SISTEMA composto por muitas partes, podemos inclusive dizer que existem outros Sistemas dentro do seu corpo. Um deles é o sistema cardiovascular, que por sua vez é composto por outros sistemas – as artérias, as veias, o coração… e que por sua vez são formados por sistemas ainda menores como as células, e assim por diante.

Acabei de dizer que seu corpo é um sistema, pois tem várias partes como órgãos, células, veias, ossos, sistema nervoso, neurônios, cabelos e etc. Posso também afirmar que seu corpo, no caso você, também está inserido dentro de um sistema maior, como o núcleo familiar que mora com você no seu apartamento, que por sua vez também faz parte de um outro sistema ainda maior – o seu edifício, que faz parte do seu condomínio, que faz parte do seu bairro, da sua cidade, do seu estado, do seu país, e assim por diante. No fim o que consideramos um sistema é algo que possui partes que se relacionam de alguma forma, que interagem entre si.

Mas, um sistema nunca pode ser considerado somente pela soma das suas partes e componentes. Mas, sim, pelo resultado das INTERAÇÕES das partes e componentes. Ou seja, o resultado das relações entre as partes.

Vamos ao exemplo novamente:
Um relógio antigo não pode ser considerado um amontoado de peças, ponteiros e engrenagens, assim como você não pode ser considerado apenas um conjunto de células e órgãos. Um relógio deve ser observado pelas horas que consegue marcar e você pela sua condição geral, sua saúde, seu comportamento e ações. Ou seja, quando alguma dessas engrenagens do relógio se move, todas as demais também se movem ou sofrem variações. O sistema não pode ser enxergado apenas como o conjunto dessas engrenagens, mas o resultado da relação entre elas. E quanto mais peças, partes ou componentes que podem se relacionar de alguma forma, mais COMPLEXO é esse sistema.

Parte 3: Complexidade

Agora que você sabe o que é um sistema, vamos falar em complexidade. A complexidade pode ser definida pela QUANTIDADE de PEÇAS de um sistema conectadas umas nas outras.
Voltando ao exemplo do seu corpo, seu cérebro possui aproximadamente 86 bilhões de neurônios. Um número ainda maior são as conexões neurais do seu cérebro e as mensagens que percorrem infinitas possibilidades dentro dele. Pode imaginar o que é isso? Claro que é muito mais COMPLEXO do que aquele relógio antigo composto por algumas dezenas de engrenagens, molas e parafusos interconectados que funcionam apenas como uma engrenagem da outra. O movimento dessas engrenagem sempre será a mesma, portanto 100% previsível. O único objetivo do sistema “Relógio” é contar as horas. Se fugir da normalidade, o relógio não funciona.

Já o seu cérebro, para cada pensamento, cada observação, cada reação, cada ideia, cada momento da sua vida, está mandando mensagens pelos neurônios de uma forma diferente, por caminhos diferentes. Inclusive utilizando outras peças e microssistemas do seu corpo além do cérebro e suas engrenagens.

Assim como a sua cidade. Principalmente se for uma metrópole, imagine quantas coisas aleatórias estão acontecendo neste exato momento? Infinitas. Metrópoles como Nova Iorque, São Paulo, Londres, Moscou, funcionam mais ou menos como o corpo humano. São sistemas altamente complexos pelas adversidades e possibilidades.

Conclusão desse pensamento é: quanto mais partes independentes se relacionando de alguma forma, mais complexo é o sistema que essas partes estão inseridas. Portanto reflita sobre isso. Como que cada tecnologia, inovação, informação e o número de pessoas no planeta influenciam para sistemas antigos ficarem mais complexos e novos sistemas aparecerem em uma estrutura já complexa o suficiente para ser um grande desafio entendê-los?

Pois é. Nós vivemos isso hoje. O mercado é assim, a economia é assim, as cidades são assim, as relações são assim, a nossa vida hoje é assim. COMPLEXA e cheio de variáveis e adversidades.

Parte 4: Visão Sistêmica

Vamos voltar um pouco no tempo. Quando a humanidade surgiu, nos agrupamos em pequenos grupos isolados, com no máximo poucas dúzias de pessoas. Ou seja, essas pequenas sociedades com poucas atividades tinham uma complexidade mínima. Mas o tempo passou e nos organizamos numa sociedade mais numerosa, com leis, regras, comunicação escrita, com ferramentas, com mercados, com moedas e claro, muito mais interconectada. Isso tudo foi uma evolução relativamente lenta se comparada com as últimas 10 décadas.

Hoje vivemos em uma sociedade mundial-global, claro que com barreiras legislativas, mas sem quase nenhuma barreira de informação e conhecimento. A internet conta com mais de 3 bilhões de pessoas conectadas, quase sempre online se inter-relacionando em tempo real e sem fronteiras. O gigantesco volume de pessoas, de informação, de desejos, de necessidades e de problemas que interferem uns nos outros é inédito no nosso planeta, assim como é difícil para uma sociedade se adaptar na mesma velocidade.

E como diria Peter Senge (Sendí) em sua obra A quinta Disciplina: “Talvez, pela primeira vez na história, a humanidade tenha a capacidade de criar muito mais informações do que o homem é capaz de absorver.”

Nos últimos 30 anos, a complexidade da nossa estrutura social aumentou dramaticamente, numavelocidade nunca vista. E ao que tudo indica, tende a aumentar ainda mais. É muito importante isso que estou falando, pois nós devemos viver nossas vidas e trabalhos projetando nossas rotinas e negócios para esse tipo de sistema: altamente caótico, mutante e imprevisível. Sistemas verdadeiramente complexos e acelerados.

Podemos inclusive falar que a pessoa que entende a complexidade dos sistemas,
que consegue ter uma visão ampla e ao mesmo tempo minuciosa dos sistemas, tem
grandes vantagens. Pois percebe as relações entre as parte com clareza e consequentemente saberá como agir e se adaptar às mudanças. Além de conseguir entregar valor para as pessoas envolvidas no sistema em questão. Por exemplo: Imagine funcionários de uma empresa.

Alguns possuem uma visão mais fechada, centrada nas necessidades dele próprio e das tarefas que precisam ser executadas. Outros possuem essa visão sistêmica, que por sua vez, conseguem perceber sim as suas necessidades e suas tarefas como importante, mas as veem como parte de algo maior, portanto passam a refletir mais sobre como suas entregas, tarefas, atitudes e ideias podem ajudar o sistema empresa e seu mercado como um todo. É exatamente esse funcionário com a visão sistêmica que terá a chance de inovar, de crescer a ajudar as empresas, negócios, governos, pessoas e sociedades no mundo em que vivemos hoje. Ter uma visão sistêmica permite você enxergar o que ainda não foi enxergado.

Conectar pontos que ainda não foram conectados. Relacionar elementos que antes pareciam distantes. É justamente isso que faz o ser humano projetar e chegar em soluções inovadoras. Portanto a dica é: olhe para as coisas, pessoas, relações e perceba que estão tudo dentro de um determinado sistema e comece a olhar para esse sistema de forma ampla e crítica. Dessa forma você vai identificar infinitos desafios, problemas e oportunidades. A complexidade demanda muito esforço para perceber essas oportunidades.

Mas ao mesmo tempo oferta muitas possibilidades. Qualquer interação entre peças, partes, componentes e/ou pessoas dentro de um sistema pode ser transformado, melhorado.

A verdade é que já estamos nos acostumando com a constante transformação e ainda mais, nós estamos exigindo, mesmo que inconscientemente, essas transformações, melhorias, novos caminhos, novos serviços, novas formas de interação com tudo que temos, vemos e vivemos.

Ricardo Ruffo

Ricardo Ruffo is a born entrepreneur, educator, speaker and explorer. As a writer by passion Ricardo daydreams on how the world is changing fast and how it could be.

Ruffo is the founder and global CEO of Echos, an independent innovation lab driven by design and its business units: School of Design Thinking, helping to shape the next generation of innovators in 3 countries, Echos – Innovation Projects and Echos – Ventures. As an entrepreneur, he has impacted more than 35.000 students worldwide and led innovation projects for Google, Abbott, Faber-Castell and many more.

Specialist in innovation and design thinking, with extensions in renowned schools like MIT and Berkeley in the United States. Also expert in Social Innovation at the School of Visual Arts and Design Thinking at HPI – dSchool, in Germany.

Naturally curious, love gets ideas flying off the paper. He always tries to see things from different angles to enact better futures. In his free time, spend exploring uninhabited places around the world surfing.