De acordo com a visão da economia clássica, assume-se que indivíduos são perfeitos tomadores de decisão, que somos capazes de comparar todas as opções e que não temos limitações cognitivas.

A Economia comportamental ao invés de assumir essas premissas, analisa a forma como as pessoas se comportam para, então, tomar conclusões sobre o ser humano. É um campo de estudo que coloca em xeque a racionalidade da economia clássica, bem como compreende o ser humano como um ser emocional, limitado e que nem sempre é capaz de tomar as melhores decisões para si e para sociedade.

Aliás, foi a partir de uma experiência trágica pessoal que Dan Ariely, renomado professor de Psicologia e Economia Comportamental da Universidade de Duke, começou a enxergar o quanto as pessoas diariamente agem de maneira irracional em diferentes contextos e assuntos como saúde, dinheiro, poupança, relacionamentos. Dentre eles, o que mais lhe chamou a atenção foi a questão da desonestidade.

Por que as pessoas mentem? Não só vemos diariamente escândalos de corrupção e de fraude, mas também nos deparamos com as pequenas mentiras diariamente, inclusive dadas por nós mesmos. Em um nível micro ou macro, todos nos comportamos ou podemos nos comportar de modo errado. Se parar para pensar, provavelmente você disse alguma “mentirinha” nas últimas 24h. Apesar disso, não nos consideramos pessoas desonestas. Como podemos ao mesmo tempo nos reconhecer honestos, mas sermos desonestos?

É exatamente essa irracionalidade do comportamento humano que Dan Ariely tem estudado nas últimas décadas.

O que Dan Ariely – e a economia comportamental como um todo – coloca é que a desonestidade faz parte da experiência humana e, dessa forma, cabe a nós entender quais são os gatilhos que nos fazem ser desonestos e o impacto da falta de honestidade gera nas nossas vidas e no ecossistema.

Ariely em seus estudos desmistifica uma das concepções mais equivocadas a respeito desse assunto: a que são as grandes mentiras, fraudes ou corrupções que mais afetam nossas vidas. Faz parte do senso comum assumir que são os grandes desvios de dinheiro que mais contribuem para desfalcar as contas públicas, por exemplo.

Porém, com a própria evolução da própria economia comportamental nas últimas décadas, hoje há métodos para mensurar o impacto, inclusive financeiro, da desonestidade na sociedade que desmistificam essa percepção.

Como Dan Ariely aponta no documentário (Dis)honesty: The Truth About Lies – ou Desonestidade: a verdade sobre as mentiras – o impacto das pequenas mentiras é financeiramente muito quando comparado ao prejuízo causado pelos escândalos financeiros. O filme está disponível no Netflix e abaixo você pode conferir o trailer:

O Experimento Matrix

Desde 2002,  Ariely conduz uma série de experimentos do que ele chamou de Experimento Matrix. Nesse experimento, uma equipe de pesquisadores aplicou uma prova simples de matemática para um grupo de 20 pessoas com idades variadas.

Os participantes deveriam responder o máximo de perguntas no tempo de 5 minutos e a cada questão respondida corretamente receberiam 1 dólar. Após o término do teste, os participantes deveriam, a partir de um gabarito, conferir as respostas e reportar ao examinador a quantidade de questões corretas. Não era necessário mostrar as respostas dadas como meio de prova para receber o dinheiro. Assim, os participantes poderiam ir embora com a quantidade de dinheiro equivalente a quantidade de respostas relatadas e não efetivamente acertadas.

O interessante desse estudo foi que ao conferir as respostas dos participantes, os pesquisadores descobriram que poucos haviam mentido muito, mas que muitos haviam mentido só um pouco. No total, o experimento foi aplicado para 40.000 pessoas e apenas uma dúzia se encaixou na categoria de “grande trapaceiros”, ou seja, aqueles que afirmaram ter conseguido completar uma quantidade consideravelmente maior do que efetivamente fizeram. No entanto, mais de 28.000 pessoas, em torno de 70% dos participantes, foram os “pequenos trapaceiros”, ou seja, aqueles, que em média, resolveram quatro questões mas reportaram ter resolvido seis.

Ao final, o prejuízo causado pelos “grandes trapaceiros” foi de 400 dólares, ao passo que quando foi somado o prejuízo das pequenas transgressões, o valor chegou a 50.000 dólares!

O impacto da mentira na sociedade

Agora um exemplo real do impacto das pequenas mentira para a economia de um país: segundo o Banco Mundial, na China, apenas 9% da receita dos hospitais públicos em 2011 vieram de subsídios públicos, enquanto 40% veio da venda de medicamentos. Acontece que a maior parte do salário dos médicos depende da quantidade de medicamentos que eles prescrevem e os hospitais podem cobrar uma taxa de 15% sobre a venda de cada medicamento.

Dessa forma, médicos e hospitais possuem altos incentivos para inflar os preços dos medicamentos. Como resultado, 40% do total de gastos com saúde no país está relacionado a medicamentos – uma taxa maior da média dos países que compõe a OCDE, que é de 16%.

Aliás, de forma similar acontece no sistema brasileiro de saúde. Hoje, o nosso sistema de remuneração está configurado para remunerar o médico e toda a rede pela quantidade de procedimentos realizados no paciente, não havendo qualquer mecanismo que incentive o médico a prezar pela qualidade da saúde do paciente. Como resultado, temos atualmente uma medicina corretiva, mais cara e intrusiva, do que uma medicina preventiva.

Nos últimos meses a Echos em conjunto com o Grupo Técnico da ANS está desenhando possíveis soluções para esse problema no sistema de saúde privado. Caso queira saber mais sobre o projeto ANS, clique aqui.

Por esses motivos, a ciência comportamental possui um papel importante na definição de políticas públicas, econômicas e sociais, caso desejamos construir um país mais justo e desenvolvido em todos os sentidos, visto que ela oferece uma nova perspectiva sobre como funciona a tomada de decisão e o comportamento humano. A ciência comportamental não apenas nos ajuda a identificar padrões de comportamento, como também nos permite transformá-lo, levando a tomadas de decisões melhores e positivas.

Nesse sentido, no campo de políticas públicas, a ciência comportamental pode ser uma ferramenta fundamental para mudar o modo como você e todos nós podemos contribuir para a resolução de problemas complexos no nível individual e coletivo.

Caso você atue com políticas públicas ou programas sociais ou apenas quer contribuir de forma mais efetiva para o país, no dia 24 de agosto em São Paulo acontecerá o Travessia 2017, um evento que objetiva incorporar este olhar mais consciente, fundamentado e estruturado em relação ao comportamento humano, no modo como pensamos e implantamos políticas públicas e programas sociais, a fim de garantir uma maior efetividade.

O evento contará com a presença de diversos especialistas no assunto, com destaque para a palestra de Dan Ariely, que estará no Brasil para discutir o tema. Os ingressos já estão no último lote, mas você pode garantir o seu, acessando aqui.

Ricardo Ruffo

Ricardo Ruffo is a born entrepreneur, educator, speaker and explorer. As a writer by passion Ricardo daydreams on how the world is changing fast and how it could be.

Ruffo is the founder and global CEO of Echos, an independent innovation lab driven by design and its business units: School of Design Thinking, helping to shape the next generation of innovators in 3 countries, Echos – Innovation Projects and Echos – Ventures. As an entrepreneur, he has impacted more than 35.000 students worldwide and led innovation projects for Google, Abbott, Faber-Castell and many more.

Specialist in innovation and design thinking, with extensions in renowned schools like MIT and Berkeley in the United States. Also expert in Social Innovation at the School of Visual Arts and Design Thinking at HPI – dSchool, in Germany.

Naturally curious, love gets ideas flying off the paper. He always tries to see things from different angles to enact better futures. In his free time, spend exploring uninhabited places around the world surfing.