Pequenas empresas contam como conseguiram conquistar espaço no mercado externo para compensar a desaceleração da economia.
O desaquecimento do mercado interno tem estimulado donos de pequenas empresas a procurar oportunidades de negócios no exterior. Para isso, contam com as facilidades de comunicação e pesquisa proporcionadas pela internet e por redes sociais de negócios. CEO da Kanamobi, empresa de tecnologia com foco em mobilidade, Cristiano Kanashiro conta que a internacionalização do negócio ocorreu neste ano, após vencer concorrência lançada pela americana Stoneridge, da qual participaram empresas de diversos países.
“O produto foi lançado em outubro nos Estados Unidos. O Eletronic Login Device (ELD) é um dispositivo acoplado ao painel do caminhão. Ele transmite informações como velocidade e condições do motor a um aplicativo acessado pelos responsáveis pela gestão da frota”, conta.
Ele diz que o dispositivo vai ajudar a melhorar a jornada de trabalho dos caminhoneiros americanos e a reduzir o número de acidentes nas estradas. O empresário conta que soube da concorrência por meio da indicação feita por um parceiro da empresa. “Fui atrás e vi que era possível participarmos. E acabou dando muito certo.”
Kanashiro afirma que hoje, em termos de tecnologia, o mercado brasileiro compete de igual para igual com empresas americanas. “Temos profissionais com a mesma entrega e performance”, diz.
Segundo ele, com a desvalorização do real ficou mais barato desenvolver projetos no Brasil. “Agora, estamos recebendo solicitações e negociando com empresas da Europa e da Ásia. Em 2017 abriremos escritório nos EUA para facilitar a captação de novos clientes.”
Lançada em 2009, a Kanamobi informa que seu faturamento vem crescendo desde então, mas não revela números. “Também estamos fazendo novas contratações e devemos crescer em 20% o quadro de funcionários”, afirma.
O empresário salienta que a tecnologia é algo inevitável e que não tem como as empresas fugirem dessa nova realidade.
“Primeiro, porque em vários casos ela reduz custos. Em momentos de crise, as despesas tendem a recuar, mas a tecnologia é uma aliada. Ela pode auxiliar a empresa a otimizar processos, a criar novo canal de vendas, impulsionar um produto ou criar valor agregado. Por todos esses motivos, o mercado de tecnologia cresce de forma promissora”, afirma.
CEO da desenvolvedora de plataformas digitais Hive Marketing Technology, Mitikazu Lisboa conta que a empresa começou o processo de internacionalização há três anos, de forma tímida, abrindo um escritório em São Francisco, nos Estados Unidos. “Começamos a vender nossos serviços para empresas americanas. Hoje, nosso maior cliente é o Twitter. Mas já desenvolvemos plataformas para unidades americanas da Mitsubishi e PlayPhone”, conta.
Segundo ele, a crise no Brasil tem dois aspectos muito claros. “Primeiro, o quão mais difícil ficou fazer negócios por aqui pela retração econômica. O segundo aspecto, que é favorável, é a taxa do dólar, que subiu. Então, tudo que eu faço lá vale mais de três vezes o que eu faço aqui.”
Para ganhar escala, Lisboa conta que está desenvolvendo aqui no Brasil um núcleo chamado Matec, de tecnologia aplicada ao marketing. “Estamos preparando esse núcleo para se tornar uma nova empresa que irá atuar no mercado internacional.”
Segundo ele, o núcleo desenvolveu uma plataforma de inteligência artificial que pode ser aplicada para diversos setores da economia. “Antes, as empresa desenvolviam o seu aplicativo, a sua rede social. Esse modelos está sendo superado”, diz
O empresário afirma que agora a preocupação está em como usar as plataformas já existentes. “Essa mentalidade é muito boa para nós. Já temos a Matec e não precisamos mais de um cliente que pague caro pela criação de uma plataforma, precisamos de muitos clientes que paguem pouco para usá-la.”
Lisboa conta que a iniciativa comercial mais fortes da nova plataforma é para promoções nos segmentos de alimentação e medicina. “Estamos nesse período de testes, entre janeiro e fevereiro a gente prevê uma expansão significativa. Já estamos estudando negócios com vários países”, conta.
Outra empresa que está ampliando sua atuação para fora do Brasil é Escola Design Thinking. Fundada há cinco anos pelos educadores Ricardo Ruffo e Juliana Proserpio, a marca nasceu com o objetivo de formar, por meio de seus cursos, uma rede de pessoas que querem ser protagonistas na construção de um mundo melhor, criando impactos positivos na sociedade.
Ricardo Ruffo co-fundador Escola Design Thinking
Charles Burnette, uma das maiores autoridades no assunto, define ‘design thinking’ como um processo de pensamento crítico e criativo que permite organizar informações e ideias, tomar decisões, aprimorar situações e adquirir conhecimento.
Ruffo conta que a empresa oferece, além do curso de design thinking, formações voltadas à inovação social, business design, inovação centrada em redes, e ecossistemas de inovação. “Temos também um novo programa de longa duração para o desenvolvimento de negócios do futuro”, conta.
Segundo ele, a ideia de explorar outros mercados surgiu em 2014, quando os indícios de que o País entraria em crise ficaram mais evidentes.
“Decidimos criar um processo de expansão global para não dependermos somente do mercado interno. Em 2015, entramos em contato com potenciais parceiros na Austrália, identificados pela internet. Posteriormente, realizamos alguns experimentos naquele país.”
O empresário afirma que a negociação não foi fácil. “Fizemos algumas propostas, demorou um pouco mas fechamos parceria. Hoje, temos operações em Sydney, que possui uma importante cena de inovação, Brisbane, que tem foco em pequenas e médias empresas, e Melbourne, cidade entusiasta da inovação e da criatividade”, conta.
Ruffo diz que a escola está chegando à Lisboa. “Os tópicos inovação e empreendedorismo estão em alta em Portugal. Nossa primeira unidade já está em atividade, sendo operada via parceiros.”
Segundo ele, o impacto da inovação em um País pode ser demonstrado de diversas maneiras, desde sua capacidade de movimentar a economia e gerar empregos, até pela sua habilidade de estimular o mercado a criar negócios inéditos.
Consultor aponta alternativas e cuidados necessários
O especialista em gestão da consultoria Inside Business Design, Marcelo Scharra, afirma que a valorização do dólar em relação ao real cria oportunidades para quem está fora do País contratar serviços para serem desenvolvidos aqui.
“Isso vem ocorrendo principalmente entre empresas de tecnologia, porque temos muita tecnologia boa e quando conseguimos levá-las para fora do País, o produto tem um preço bastante acessível”, afirma.
O consultor ressalta, porém, que é preciso rever os valores cobrados. “Costumo dizer que o empresário brasileiro precisa ter mais ambição, porque quando os concorrentes gringos vêm pra cá, aplicam o mesmo preço em dólar que praticam lá fora. E quando vamos para lá, não atualizamos o valor. Quer dizer, se o preço é R$ 50 mil aqui no Brasil, o mesmo preço é apenas convertido em dólar”, exemplifica.
Ele ressalta que quem deseja internacionalizar a marca tem de conhecer bem o mercado local, além de ter estratégia e plano de negócio específicos. “É como abrir um outro negócio. O ideal seria passar um tempo no local para conhecer o mercado e o público, para só então iniciar o processo de venda.”
Segundo ele, um segmento que é muito valorizado no exterior é o design de móveis brasileiros. “Mas existe uma barreira muito grande de logística, que resulta em altas taxas que encarecem ainda mais esses produtos, que já costumam ser caros. Isso acaba inviabilizando a venda no exterior.”
Scharra diz, no entanto, que existem outros caminhos. “A empresa pode expor o produto em um marketplace internacional e enviar a mercadoria somente quando ocorrer a venda. Vender pela internet é uma boa, mas se conseguir um parceiro local é melhor. Pequenas e médias empresas não têm condições de mandar estoque para fora. É mais interessante ter um parceiro que compra o estoque a preço de custo e quando faz a venda repassa a diferença”, diz.
O consultor afirma que o mercado de roupas e acessórios de luxo brasileiro é muito bem reconhecido e valorizado no exterior, mas a barreira de entrada é grande, principalmente porque o real é muito desvalorizado.
“Para participar de uma feira de moda na Europa, por exemplo, o empresário tem de pagar cerca de 15 mil euros, que equivale a R$ 60 mil, além de todo o custo com transporte e instalação. Isso acaba inviabilizando esse tipo de participação para divulgar o produto.”
Apesar dos entraves, quem conseguir enviar mercadorias para fora do Brasil precisa estar sempre atento à variação cambial. “Pode ocorrer a demanda de um lote em um momento em que a moeda esteja favorável e no meio da negociação o dólar pode ter alta e o empresário acaba tendo prejuízo. Também é preciso ficar muito atento às tendências internacionais para ser posicionar de forma adequada e não correr o risco de trabalhar com produto obsoleto.”
Matéria publicada por Cris Olivette no Estadão no dia 11 de dezembro de 2016 às 07h16. O texto original você pode conferir na íntegra aqui.