Por uma construção histórico-cultural, o talento sempre foi colocado como fruto de um processo de inspiração, externo e até mesmo divino. Uma espécie de concessão ou privilégio com o qual alguns nascem e outros não. Sob esse espectro o conceito de criatividade também se sedimentou.

Porém a criatividade, mais do que um momento iluminado ou uma característica inata, é fruto da transpiração e da paixão em se realizar algo. Criatividade, portanto, passa ser visto como um processo de aprendizado e baseia-se na alocação de energia em se realizar algo. É o que prega Charles Watson, escocês erradicado no Brasil e com mais de 35 anos estudando sobre criatividade.

Inicialmente, em razão da sua formação em Arte e Literatura na Bath Academy/Bath University em Londres, sua pesquisa era destinada a estudar o processo de criatividade entre os artistas, mas ao longo dos anos, se expandiu para outras áreas, como ciências, negócios, música e filosofia. Isso porque Watson passou a encontrar similaridades entre pessoas consideradas criativas dos mais variados contextos.

Como forma de disseminar o conhecimento fruto de suas pesquisas, Watson ministra há mais de 25 anos o seu prestigiado curso Creative Master Class, no qual apresenta o funcionamento do processo criativo para que as pessoas se apoderar dele e replicá-lo no dia a dia.

A seguir, você confere uma interessante entrevista que Watson concedeu à Zero Hora no qual comenta sobre o processo de criatividade e como desperta o modo criativo nas suas aulas.


Você acredita que exista predisposição à criatividade?

Charles Watson – Não. Muitas pesquisas apontam que talento, se é que existe, tem uma importância muito pequena numa vida criativa.

Por quê?

Porque as pessoas que são vistas como “os grandes talentosos”, como Tiger Woods, Mozart ou Michelangelo, por exemplo, começaram a ter um contato diário com os seus assuntos com três ou quatro anos de idade. E Mozart não era uma gênio quando ele tinha oito anos.

Ele era, talvez, um menino prodígio em poder aprender piano, mas ele era também uma pessoa obcecada desde os quatro anos com o instrumento. O pai dele era um professor de música já com dois livros publicados sobre isso. Mozart fez seu primeiro grande trabalho com 21 anos de idade.

Ou seja, 17 anos depois de uma relação diária de internalização das regras da sua área de atuação, a música. Não estou dizendo que não existe habilidade inata de algumas pessoas para fazer certas coisas, mas a pesquisa mostra que, por exemplo, entre crianças bem dotadas no violino ou piano, são pouquíssimas que crescem para fazer uma vida criativa.

Isso é um dado que poucas pessoas conhecem. As pessoas que parecem fazer a diferença não a fazem por causa de habilidades inatas.

Aliás, Tiger Woods fala que o que fez a diferença na sua carreira foi o que ele chama de controle mental, uma coisa que seu pai o ensinou desde pequeno para superar as dificuldades que ele tinha como golfista. Woods tinhas desvantagens em termos de esforço, em termos do próprio corpo e ele aprendeu a pensar diferente para superar essas dificuldades.

Isso é muito comum na vida das pessoas que fazem a diferença nas suas áreas. No entanto, a população em geral adora ter uma ideia de que “veio do céu”, “o cara nasceu assim”, “Deus abençoou ele”, isso é bobagem. Em um estudo prolongado sobre criatividade, nada sustenta isso.

O que bloqueia o processo criativo?

A preguiça. Todo mundo tem ideias. Quando você tem uma ideia que acha muito especial, você pode contar com o fato de que outras 250 mil pessoas tiveram essa ideia. A diferença está em quem decide concretizá-la e isso envolve intenso trabalho.

Quando você lê um trechinho em um romance que te toca muito, em nove vezes de dez vezes, te toca porque também é uma coisa que você pensou ou sentiu. A diferença é que o mestre menciona isso, enquanto você deixou passar. Então, na verdade, o papel do escritor, do artista ou de qualquer pessoa envolvida em atividades criativas, é colocar um farol nas coisas que ficaram cinzentas na vida.

Em toda a história da arte não tem mais do que sete assuntos e, sendo assim, o que importa não são os assuntos novos, mas a maneira de abordá-los para parecer que estão sendo vistos pela primeira vez. A questão principal sobre o curso é que, em uma entrevista com um artista que faz a diferença ou com um cientista que faz a diferença, se vai descobrir que não tem a ver com a especificidade das suas linguagens, mas com o tipo de personalidade, que tolera muito trabalho. Não só tolera, mas que também tem uma relação passional com o que faz.

Quando você é passionalmente envolvido com o que faz, não sente que as suas horas de investigação são um sacrifício, você quer estar no lugar que traz mais significado para você. E o produto que surge não é a sua meta, a sua meta é estar fazendo o que te traz significado. O produto acaba decorrendo disso. É o que se chama de atividade autotélica, cujo significado é nela mesma.

Como é a dinâmica do seu curso Creative Master Class?

O curso é composto por uma série de palestras interativas. Há interação com plateia, mas são palestras sobre o processo criativo e algo que se pode chamar de comportamento otimizado. Isso quer dizer, quem são as pessoas que fazem a diferença dentro das suas áreas de trabalho, como é o pensamento delas em termos criativos, em termos de levar um assunto até as últimas consequências e se destacar dentro de um contexto de criação, seja isso na área empresarial, na área da literatura, coreografia, arte e etc.

Parte do princípio que, a partir de um certo ponto de investigação, a semelhança entre os processos criativos é maior do que a diferença entre as linguagens. Ou seja, se eu faço uma entrevista com evolucionista ou com um bioquímico que está na linha de frente da sua área, vou ter uma entrevista que se assemelha em muitos sentidos com a entrevista com um artista que está na frente na sua área também.

Apesar de existirem diferenças evidentes no sistema de pensamento de ciência e arte, também há muitas semelhanças. Por exemplo: se Picasso não tivesse vivido, a gente não teria tido um quadro como Guernica. Agora, se Watson e Crick nunca tivessem vivido, outra pessoa teria descoberto o DNA. Concorda?

Acho que sim…

É evidente que sim, porque o DNA foi descoberto. É fruto de um processo de investigação convergente. Isso quer dizer que há uma resposta em algum lugar, ela existe. Cabe a alguém descobrir. Guernica não existia já feita em nenhum lugar, é um produto de uma investigação extremamente particular de um artista.

Nenhuma outra pessoa teria pintado Guernica.

Essa é a diferença entre pensamento convergente e pensamento divergente. E um processo criativo é fruto da capacidade de criar uma ponte entre essas duas maneiras de pensar.

De tudo que você transmite aos alunos, qual é a lição que mais gostaria que eles absorvessem?

Eu não posso especular sobre a lição, isso é com eles. Eu sei que eles vão sentir um certo desconforto, porque quando você tira talento e Deus da cena, o que fica é a responsabilidade pessoal pelo que você faz. Ou melhor, pelo que você não faz. E isso nem sempre é muito confortável para todo mundo ouvir.

Mas é um curso que joga muita responsabilidade sobre o que a gente faz com as nossas vidas, sobre o indivíduo, não sobre circunstâncias alheias.


Uma leitura bastante interessante que converge com o assunto, é a obra de Malcom Gladwell “Outliers – os fora de série”. Baseando-se na história de celebridades como Bill Gates, os Beatles e Mozart, Gladwell desmitifica o mito norte-americano do “self-made man”,  mostrando – assim como acontece com a criação – ninguém ‘se faz sozinho’.

Gladwell mostra que o sucesso está condicionado a fatores culturais e circunstanciais. Além disso, enfatiza que o nível de excelência em qualquer atividade e para se tornar alguém altamente bem-sucedido são necessárias nada menos do que 10 mil horas de prática – o que significa dizer que a excelência é matemática.

Caso queira também se aprofundar no tema criatividade, aproveite para participar da Creative Master Class que acontecerá aqui na Escola Design Thinking. Charles Watson de forma única, provocativa e às vezes desconcertante irá abordar a criatividade a partir de temas aparentemente distintos como evolução, sistemas complexos, ecologia, arte contemporânea e esportes radicais, sempre com uma pitada de humor britânico. O curso acontece nos dias 25, 26 e 27 de novembro em São Paulo. Anote aí na agenda!

Ricardo Ruffo

Ricardo Ruffo is a born entrepreneur, educator, speaker and explorer. As a writer by passion Ricardo daydreams on how the world is changing fast and how it could be.

Ruffo is the founder and global CEO of Echos, an independent innovation lab driven by design and its business units: School of Design Thinking, helping to shape the next generation of innovators in 3 countries, Echos – Innovation Projects and Echos – Ventures. As an entrepreneur, he has impacted more than 35.000 students worldwide and led innovation projects for Google, Abbott, Faber-Castell and many more.

Specialist in innovation and design thinking, with extensions in renowned schools like MIT and Berkeley in the United States. Also expert in Social Innovation at the School of Visual Arts and Design Thinking at HPI – dSchool, in Germany.

Naturally curious, love gets ideas flying off the paper. He always tries to see things from different angles to enact better futures. In his free time, spend exploring uninhabited places around the world surfing.