Hora de repensar os modelos de negócios digitais baseados em publicidade?

Capítulo 1: Internet e negócios digitais.

Nos últimos 30 e poucos anos, o mundo viu um conjunto de avanços tecnológicos conectarem 3 bilhões de pessoas ao redor do globo, o que proporcionou um boom na forma como geramos conteúdo e conhecimento, uma mudança drástica na forma como nos relacionamos e nos comunicamos e, em última análise, como fazemos negócios. Especificamente sobre esse último ponto a internet deu origem a novos modelos de negócios como o comercio eletrônico, os modelos de negócios que ligam pessoas a pessoas em busca de troca de serviços (AirBnB, Uber, Blablacar, etc.) e tantas outras variações.

Mas uma das coisas que não podemos perder de vista é que o berço dos modelos de receita da internet foi a publicidade. Empresas como Google, Facebook e alguns milhares de publishers pautaram seu modelo de negócios em um mercado que movimentou US$135.42 bilhões no ano passado e deve movimentar US$239.87 bi em 2019, além de empregar alguns milhões de pessoas mundo afora.

Tanto o mercado de publicidade quanto o de comunicação (incluindo a internet e demais meios) não só se tornaram enormes financeiramente como concentraram uma quantidade de poder e influência quase inimagináveis a 50 ou 100 anos atrás.

Capítulo 2: Excesso de informação. E de ruído.

Como falamos acima, a internet não só potencializou a produção e dcaisseminação de conhecimento, como elevou o nível de ruído gerado por esse excesso de conhecimento. Não vamos discutir os aspectos filosóficos sobre o tema mas queremos entrar em três cases práticos e diferentes entre si.

No final de 2015, Túlio Custódio, um dos curadores de conhecimento da Inesplorato – a primeira curadoria de conhecimento do Brasil – disparou a seguinte frase durante um encontro sobre inovação: “você não precisa saber de tudo. Você precisa saber o que é relevante para você. Independente de ser novo ou velho, curadoria de conhecimento é identificar o que você ainda não sabe e precisa saber sobre um tema que te interessa”. Ao terminar essa frase o termo curadoria começou a fazer um sentido incrível pra mim.

Além da Inesplorato, um outro exemplo bacana de curadoria de conteúdo vem da Campus Party, maior evento de internet do mundo. Para pensar em todas as atrações de 5 dias de feira a organização conta com um time de 22 curadores divididos em 16 áreas de conteúdo. Eles são os responsáveis por trazer as melhores cabeças do Brasil e do mundo para falar sobre os temas mais relevantes e interessantes do momento.

Levando novamente a discussão para o mundo online e menos “mainstream” pulamos para meados de janeiro, quando Eden Wiedemann posta o seguinte texto: “O Whatsapp, a “classe média” e o mundo underground do conteúdo”. No texto ele conta a história do “Galego”, um ex-camelô que vendia CDs piratas numa feira no DF e hoje fatura mais de R$ 15 mil com grupos de Whatsapp.

Explicando melhor. Galego criou mais de 500 grupos de “zap-zap” onde posta conteúdos curados por ele e dois ajudantes sobre temas que vão de dicas de trânsito a vídeos divertidos. Além da curadoria das informações que ele e a equipe postam, parte do trabalho é fazer a mediação dos grupos. Cada pessoa interessada em participar em um desses 500 grupos paga um “fee mensal” de R$ 10,00 e tem acesso as informações que o Galego posta, além de toda a inteligência coletiva gerada pelos demais participantes do grupo em questão.

Pausa para refletirmos um pouco sobre isso.

Qualquer pessoa pode criar um grupo de Whatsapp gratuitamente e convidar formadores de opinião para participar. Na verdade já existem vários grupos sobre temas específicos como segmentos de mercado, áreas dentro de uma empresa, rodas de networking e por ai vai. Mas será que o fato de se curar o conhecimento que é postado e mediar a relação entre os participantes é o suficiente para se cobrar pelo serviço?

Sem moralismo nesse ponto. Não queremos entrar no mérito da pirataria, ilegalidade e afins, mas sim discutir uma nova necessidade e oportunidade de negócio, seja na Inesplorato, na Campus Party ou no Whatsapp do Galego.

Capítulo 3: Bloqueadores de anúncios (ou ad blockers).

Há alguns meses um amigo geek que mora nos EUA me apresentou sua mais nova aquisição tecnológica: um aplicativo que bloqueia anúncios enquanto você navega pela internet. Assim como ele, 181 milhões de americanos fazem uso de programas como esse e o volume de downloads aumenta em torno de 50% ao ano no país. 200 milhões de novos usuários fazem o download do serviço mensalmente no mundo.

Agora vamos somar os ad blockers (ou bloqueadores de anúncios) a essa equação. Calcula-se que esse mercado perdeu em torno de US$ 21,8 bilhões em 2015, e podemos esperar perdas mais significativas nos próximos anos… Levando em consideração a curva do gráfico abaixo as projeções são minimamente interessantes.

cap 3_usage of ad blocking software in the US

Fonte: http://www.huffingtonpost.com/entry/ad-blocking-industry-response_us_56251101e4b0bce347016871

cap 3_anuncio de um ad blocker

Anúncio de um ad blocker em uma matéria sobre os danos de ad blockers para o mercado

É importante lembrarmos que essa foi uma tendência lançada por jovens e hoje percorre o mundo, deixando de ser uma prática de adolescentes e atingindo cada vez mais pessoas cansadas de verem aplicativos intrusivos e inconvenientes (principalmente em dispositivos móveis).

Hoje já existem aplicativos que inibem anúncios em celulares integrados aos browers mais utilizados do mercado (como o Chrome, Mozila e Opera), além de extensões que podem ser instaladas no desktop.

Enquanto alguns grandes jornais, como a Folha de São Paulo e o The Wall Street Journal, têm limitado o acesso ao conteúdo gratuito em seus sites a pergunta que queremos levantar é: como esse novo panorama afeta o mundo dos negócios digitais?

cap 3_exemplo de push

Exemplo de push para se logar e consumir conteúdo do The Wall Street Journal

Capítulo 4: Estamos prestes a viver a reinvenção dos modelos de negócios da internet baseados em publicidade?

“Não. Na verdade já vivemos isso há algum tempo e podemos caracterizá-la mais como uma evolução do que uma revolução em si.”

Em agosto de 2009, Chris Anderson, empreendedor, editor da revista Wired e uma das referências no tema, lança seu livro chamado “Free: O Futuro dos Preços”, onde explica o modelo de cobrança freemium. Esse modelo foi a primeira resposta ao modelo de remuneração baseado em publicidade, largamente usado até então.

Apesar dos vários outros modelos emergindo e sendo usados por startups, o modelo freemium ainda é amplamente usado por empresas de tecnologia (principalmente software) e internet.

Ampliando um pouco nossa lente, Domênico de Masi fala que talvez exista uma nova forma de trabalho na era pós-industrial, onde indivíduos são pagos pela audiência dada a certo canal ou atividade, e não o oposto. Essa realidade não parece muito distante se formos observar modelos como o do Bliive, onde a moeda de troca dos usuários é o tempo ao invés de fluxos monetários. Ainda que existam diversos exemplos de iniciativas que não deram certo, como o Google Helpouts, existem outros tantos exemplos de modelos de negócios baseados no compartilhamento pipocando por todo o mundo.

Capítulo 5: Tá, e daí?

Ainda é bem cedo para fazermos apostas sobre como isso tudo vai se desenrolar, mas nosso objetivo aqui é levantar a discussão sobre alguns pontos:

  1. Até 2 ou 3 anos atrás não existia uma ameaça clara (e tecnologicamente viável e com uma base de usuários interessante) a um modelo de receita baseado em publicidade online para startups e negócios em geral. Hoje alguns gurus de negócios digitais e autores de livros sobre o tema dizem inclusive que o americano médio aceita conscientemente “publicidades inconvenientes” em troca de conteúdos e serviços gratuitos. Na verdade não é difícil aceitarmos que eu e você não deixaríamos de usar o Facebook, Waze ou o Google por ver alguns links e imagens chatinhas e invasivas, certo?
    A mudança de comportamento das pessoas em relação a publicidade vem sendo paulatinamente discutida. Como nos portaremos daqui para frente em relação a anúncios, recomendação de amigos, posts em blogs, matérias de jornais e todo e qualquer tipo de informação que nos é fornecida?
  2. Pensando num cenário onde a curadoria e o boca a boca (que já foi pauta inclusive para o Google com o livro ZMOT) tendem a se fortalecer, o que será da publicidade? Como será a publicidade?
    Quem serão os “betas” (pessoas que compreendem o tecnicismo de determinado assunto e conseguem traduzi-lo para a grande massa) ou comunicadores, formadores de opinião, expert em determinados temas e qualquer outro nome que você queira dar?
    Considerando as quantias que palestrantes (invariavelmente grandes curadores de conhecimento) recebem a cada apresentação, qual o grau de profundidade que estaremos dispostos a entrar para tomarmos qualquer tipo de decisão, seja ela pessoal ou profissional?
    Indo ainda mais longe e conversando com o ZMOT novamente, quais produtos, serviços, temas ganharão força com a profundidade de conhecimento e quais perderão? O que vai ditar esse comportamento? Será só valor monetário?
  3. Qual o papel real das curadorias de conhecimento nesse novo cenário?
    Analisando o modelo de trabalho que elas criaram, onde se capta a inteligência coletiva de redes e influenciadores para sistematizar comportamentos e gerar novos insights (e receita), qual será o papel dos curadores no futuro? Se temos, em geral, cerca de 18% de “betas” na nossa sociedade quais outros modelos de curadorias conseguiremos criar?
  4. Quão justo é o modelo de linhas editoriais em rede, ou do “jornalismo colaborativo” como o do Huffington Post?
    Compreendendo que eles poderiam ser uma outra linha de curadoria, ainda mais expressiva e impactante, como remunerar os escritores, selecioná-los, averiguar a veracidade dos fatos expostos, etc. etc. etc.?

Essas são algumas das perguntas que ainda ainda estão em aberto e se reformulando enquanto novos modelos de receita são criados por todos os tipos de negócio. O ponto mais importante aqui é entender esse padrão que vêm emergindo e se antecipar ao próximo grande passo da publicidade, e de um mundo baseado em troca de informações, e analisar quais novos modelos de receita podem ser criados.

*Este artigo foi originalmente publicado no site Medium.

Echos_AndreNeryPBLetras que formam palavras, que formam frases, que formam textos que expressam opiniões. Histórias autônomas que se relacionam, ou não. André Nery é gerente de produtos no Grupo Echos e co-fundador no Panela.me. Também é professor do curso Business Design na Escola Design Thinking e mestrando em inteligência coletiva (PUC-SP), com foco em criação de negócios e produtos em rede.

Ricardo Ruffo

Ricardo Ruffo is a born entrepreneur, educator, speaker and explorer. As a writer by passion Ricardo daydreams on how the world is changing fast and how it could be.

Ruffo is the founder and global CEO of Echos, an independent innovation lab driven by design and its business units: School of Design Thinking, helping to shape the next generation of innovators in 3 countries, Echos – Innovation Projects and Echos – Ventures. As an entrepreneur, he has impacted more than 35.000 students worldwide and led innovation projects for Google, Abbott, Faber-Castell and many more.

Specialist in innovation and design thinking, with extensions in renowned schools like MIT and Berkeley in the United States. Also expert in Social Innovation at the School of Visual Arts and Design Thinking at HPI – dSchool, in Germany.

Naturally curious, love gets ideas flying off the paper. He always tries to see things from different angles to enact better futures. In his free time, spend exploring uninhabited places around the world surfing.