Inovação é mais um daqueles conceitos no qual nos deparamos diariamente em diferentes contextos e casos com inúmeras definições. Muitas vezes, pessoas e organizações colocam a inovação como um valor a ser perseguido ou como um resultado final: “quero ser inovador”; “quero ter um produto inovador”.

Porém, se pudesse oferecer uma definição que acredito ser a mais apropriada para inovação seria a capacidade de gerar valor percebido. Inovar seria, portanto, a habilidade de projetar o que quer que seja de modo assertivo e relevante para alguém, para um grupo de pessoas ou para a sociedade como um todo.

Representa, dessa forma, um processo que tem o ser humano – e suas necessidades e dores – no centro.

Sob esse espectro, ser inovador, mais do que um resultado final, representa a capacidade de acessar necessidades humanas latentes e traduzi-las em algo tangível, desde um novo produto, passando por novos serviços e negócios, até chegar a soluções que alterem padrões culturais, sociais, políticos e econômicos. Apesar de caber a nós definir a escala da inovação que queremos criar, se partirmos sempre das pessoas, aumentamos exponencialmente o impacto da inovação.

Além disso, se a inovação é um processo, ela pode ser, consequentemente, sistematizada e colocada em prática por qualquer um que se aproprie dela. O Design, como disciplina e campo de estudo, a partir do pensamento do Design, contribui grandemente nesse sentido. Por essência, o Design – e o designer – busca entender o comportamento humano, o que as pessoas falam, sentem, veem, ouvem e como elas interagem com os outros e com o ambiente para, então, projetar uma solução. O Design é uma disciplina experimental e empírica que já há algumas décadas tem sistematizado, a partir do aprendizado prático, um processo – não necessariamente linear – de entendimento e extração das necessidades humanas e de geração de inovações.

Ao cabo, o que o Design está propondo é uma mudança de foco no campo da inovação.

Propõe que, para inovar, pessoas e organizações expandam o pensamento e não busquem apenas informações quantitativas sobre seus clientes ou usuários. Por mais que gráficos, tabelas e números sejam atraentes e ofereçam sensação de controle, dados quantitativos apenas fornecem as respostas que se deseja obter, não necessariamente relevando o que os clientes querem dizer a você, como colocam Marc Stickdorn e Jakob Schneider na obra Isto é Design Thinking de Serviços (2014, p. 142).

Por outro lado, você pode sair por aí conversando com os clientes. Com certeza será uma experiência interessante e lhe dará uma nova perspectiva sobre como você pode entregar inovação para alguém. Esse olhar de curioso e espírito de explorador fazem parte da essência do designer, compondo um dos valores do Design inclusive – o da experimentação. Porém, o Design não só oferece um modelo mental, como também oferece suporte para ajudá-lo de forma a assertiva a extrair informações e a entender melhor o seu cliente ou usuário.

O Design como um processo – Design Thinking – é composto por algumas etapas e ferramentas. O objetivo deste artigo é abordar uma das delas, a construção das Personas.

A origem das Personas

Antes de adentrar no conceito de Persona, é importante entender a sua origem.

Apesar do termo persona remeter à História Antiga, para o Design e para o contexto de inovação que estamos abordando, trata-se de um conceito que surgiu na década de 1980 por Alan Cooper.

Cooper é um designer de software, considerado o pai do “Visual Basic” e que nas últimas décadas foi responsável por desenvolver interfaces de grande sucesso. Já desde o início de sua carreira, notava que o modus operandi dos engenheiros de software possuia uma grande falha: os programas para computador nunca eram desenvolvidos para não-engenheiros. Apesar de trabalhar em um setor de software, um mercado voltado para inovação, enxergava que as empresas pouco conseguiam entregar algo valioso e simples para seus clientes.

Em 1983, quando Cooper estava desenvolvendo um produto importante de gerenciamento de projetos, decidiu fazer algo rudimentar: conversar com 8 colegas e conhecidos que poderiam ser potenciais clientes do programa. Kathy, uma mulher que trabalhava como tráfego em uma agência de publicidade e com quem teve bastante contato, serviu de inspiração para criar a sua primeira persona.

O próprio Cooper, em seu artigo The Origin of Personas, afirma que depois dessa pesquisa de campo, costumava realizar diálogos mentais, baseando-se vagamente nas conversas com Kathy, e encenava um gerente de projetos que estava utilizando as funções de seu programa. Interessante destacar que o programador, com esse simples exercício, conseguiu se conectar de modo mais profundo e humano com as necessidades e dores de seus clientes.

Ao final, o programa, chamado no de Plan*it, foi um sucesso comercial e mais tarde comprado pela Microsoft que o transformou no programa Project que conhecemos hoje.

Outra história que o programador relata foi quando trabalhou na década de 1990 para uma empresa chamada Sagent Technologies, pioneira no que atualmente chamamos de software de inteligência de mercado. Nas primeiras reuniões com os três fundadores, quando Cooper perguntou a eles exemplos de como uma pessoa usuaria o programa, viu-se em um diálogo circular em que a resposta recaia sobre como os usuários utilizavam as funcionalidades do produto, como a possibilidade de criar tabelas e gráficos, e não sobre qual o problema o software efetivamente resolvia.

Na sequência, pediu à Sagent para que lhe apresentasse alguns potenciais clientes do programa. Após entrevistar uma meia dúzia de pessoas com diferentes perfis e necessidades diferentes, conseguiu identificar que havia um padrão. Era possível classificar os clientes em 3 grupos diferentes, com base na necessidade de interação e customização do programa. Disso, Cooper criou três personas: Chuck, Cynthia e Rob. A partir disso, pôde projetar três caminhos de interface para o software.

O interessante é que quando levou esses três caminhos para uma reunião com a equipe da Sagent, apesar da inicial resistência à abordagem de Cooper, os programadores da empresa – e engenheiros – conseguiram facilmente entender o design projetado por Cooper e como eles se relacionam com os arquétipos criados. Com o tempo, os próprios programadores da companhia, quando estavam trabalhando no projeto, entravam em dialógos do tipo: “O que Cythia pensaria dessa função?”, “O que Rob faria nesse caso?”, mostrando que as personas criadas tiveram uma grande aderência.

No entanto, o conceito de persona foi realmente exposto ao público quando Alan Cooper publicou seu livro Inmates Are Running the Asylum em 1998. Mais do que uma tentativa de escrever um livro de como construir personas, Cooper queria com esse material enviar um alerta para os gestores sobre os problemas de se desenvolver um software para não-engenheiros.

Mas afinal o que é uma Persona?

Vimos que, em essência, quando queremos entender nossos clientes e suas necessidades, precisamos conversar com eles. Isso mesmo, como disse, o trabalho designer é exploratório, é preciso ir a campo e pesquisar. A partir das informações levantadas, conseguimos identificar padrões de comportamento e de necessidade, bem como conseguimos obter uma nova perspectiva sobre o problema que queremos resolver. Com esses dados, montamos o que chamamos de Persona.

Segundo Stickdorn e Scheineider, personas “são perfis fictícios, muitas vezes desenvolvidos como uma maneira de representar um grupo específico de pessoas com base em seus interesses comuns. Elas representam um ‘personagem’ com o qual as equipes de design e do cliente podem ‘se envolver’.”

Gosto dessa definição porque compreende dois pontos importantes quando estamos construindo uma persona:

1) Ajuda-nos a sintetizar o que foi levantado em campo, dando destaque às características, sentimentos e comportamentos mais importantes;

2) Por ser um personagem, permite com que nos relacionemos de forma empática com o nosso cliente, ficando mais claro como prosseguir para criar uma solução.

Outra definição que talvez seja ainda mais rica é a proposta por Erika Hall, em seu livro Just Enough User Research, a qual diz que “(design) persona é um arquétipo de um usuário fictício criado pelos pesquisadores com base nos dados levantados durante a pesquisa. (Design) personas são úteis porque permitem aos designers defender os interesses dos usuários e manter ativo uma forma de pensar empática e centrada no ser humano”.

A visão de Erika traz um ponto importante e um erro comum quando estamos montando uma persona: levar pontos que não vieram diretamente do campo, mas que provêm de ideias e conceitos dos próprios pesquisadores. Personas bem construídas são aquelas que não contém presunções enviesadas, mas sim são fruto de uma extensa pesquisa. 

A Classificação de Persona

Vale destacar que a ideia de criar um perfil sobre os clientes não é um conceito único e está presente em diversas áreas. O que queremos destacar é a visão do design na forma em construir a sua persona de modo que possamos inovar de maneira mais assertiva. De modo similar, o marketing cotidianamente agrupa e categoriza seus clientes em grupos e perfis, inclusive criando um personagem que exemplifique aquele perfil.

No entanto, o que presenciamos, no geral, é que os profissionais de marketing costumam apenas considerar os dados demográficos do cliente (como idade, local de residência, renda mensal), hábitos de consumo e histórico pessoal (formação, status de relacionamento, experiências profissionais, etc).

Com esses dados conseguimos, com certeza, fazer um perfil de alguém e até imaginar como essa pessoa seria na vida real. Porém, não conseguimos identificar o que eles realmente pensam, sentem e querem.

Por outro lado, quando construímos uma Design Persona, estamos buscando identificar padrões de comportamento e entender porque, como e em qual contexto os clientes interagem com o seu produto, serviço e até mesmo, de modo mais abrangente, com um problema que esteja investigando. O foco é compreender quais são as principais dores e motivações que o seu cliente possui quando se relaciona com você e em quais situações ele se encontra com mais frequência.

Como saber se construi adequadamente uma Persona?

Uma forma interessante de validar a Persona construída, é passar por uma rápida lista, que oferece os principais critérios a serem considerados em uma persona:

  • As personas refletem padrões observados
  • Focam no estado atual e não no que as pessoas querem (futuro)
  • Refletem a realidade e não o que é ideal
  • Conseguem descrever um caminho de solução
  • Consegue ajudar a equipe a entender:
    • o contexto do cliente
    • quais são seus comportamentos, atitudes e necessidades
    • os desafios e pontos de conflito
    • os objetivos e motivações do cliente

O ideal é que a análise seja feita em grupo para que uma maior pluralidade de opiniões emerjam para validar o que está bom e o que precisa melhorar.

As vantagens de se construir uma (Design) Persona

Além da principal vantagem de se construir uma (Design) Persona já narrada neste artigo, qual seja, acessar comportamento, atitudes, dificuldades e ganhos dos clientes, outra que considerado também de alto valor é que se a Persona se tornar um processo dentro de uma organização, a companhia sempre conseguirá acompanhar as mudanças de comportamentos e necessidades de seus clientes e redesign seus produtos, serviços, processos e até mesmo seu modelo de negócio, sempre conseguindo gerar valor percebido e consequentemente se mantendo na vanguarda da inovação.

Outro ponto relevante é por ser um processo focado em pessoas, os critérios de decisão serão sempre a partir do que elas desejam ou precisam, evitando com que times gastem energia e recursos inúteis ou entrem em conflito sobre qual passo ou característica do produto ou tarefa deva ser priorizada.

E esse é tipo de vantagem injusta (“unfare advantage”) que toda organização almeja, mas que poucas conseguem manter no longo prazo.

Nosso Exemplo

Após essa longa exposição teórica, também é importante trazer como na Echos construímos uma Persona na prática. Para tanto, trago nossa última experiência de projeto que se encontra em fase de finalização.

Desde fevereiro de 2017, a Echos está trabalhando em um projeto de inovação em conjunto com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) com o objetivo de propor uma solução para o seguinte desafio:

Como repensar o modelo de remuneração do Sistema de Saúde Suplementar do Brasil?

A partir desse desafio, nosso objetivo final é redesenhar os pilares do modelo de remuneração do sistema de saúde suplementar para que possamos ter mais qualidade de serviço e transparência das informações para inibir a corrupção e tornar o sistema mais acessível para os stakeholders e, principalmente, para o paciente.

Como todo projeto de design é necessário construir premissas que guiam sua condução. Partindo da intenção de gerar os pilares que reflitam a visão, os desejos e as necessidades dos todos atores envolvidos no sistema, a consultoria Echos, com o apoio da ANS, facilitou uma atividade cocriativa durante reunião do Grupo Técnico de Remuneração (GTR) – um grupo heterogêneo, composto por diferentes atores do sistema suplementar de saúde e também por diferentes pontos de vista sobre o tema “modelo de remuneração”.

Após o estabelecimento dos pilares, que você pode acessar aqui no nosso site dedicado ao projeto, o time de consultores, utilizando o design e o pensamento do design (design thinking) partiu para entender a profundidade do problema.

Depois da fase de entendimento em que fizemos pesquisa (Desk Research) cobrindo diversos sites e tendências do mercado, iniciamos um momento de conversas com especialistas na área da saúde. Esta atividade é importante para buscar olhares diferentes para o mesmo assunto.

Como o grande objetivo do projeto envolve todo o sistema de saúde suplementar do Brasil, buscamos conversar com todos os stakeholders que compõem esse sistema, sobre a ótica do modelo de remuneração.

Conversamos com pessoas que são representantes de classe de grupos como Hospitais, Laboratórios e Médicos, que são parte do Grupo Técnico de Remuneração, assim como diversos profissionais que estão além do GT.

A partir do entendimento que tivemos nas pesquisas de Desk Research, em algumas conversas com pessoas relacionadas ao ambiente da saúde e a partir de brainstorming entre o time Echos, estruturamos e mapeamos quais os pontos chaves que deveriam nortear a entrevista de acordo com a especialidade de cada entrevistado.

Além das conversas com especialistas do setor da saúde e da própria reguladora, ANS, investigamos um cenário análogo ao do sistema de saúde suplementar. O objetivo de estudar um cenário análogo é trazer novos insights e possibilidades até então não explorados. Por isso conversamos com a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) que também é uma reguladora do governo, porém atua num cenário totalmente distinto da saúde.

Após o período de entrevistas e alinhamento dos aprendizados, o time passou a levantar os padrões que de comportamentos e atitudes dos diferentes atores do sistema. Para ajudar, montaram um mapa da empatia para cada ator, exatamente para clarificar quanto aos pontos de dor e necessidade dos atores do sistema.

Na sequência e com base no Mapa de Empatia ou de Persona montamos as Personas que pudessem representar da melhor maneira as pessoas que foram entrevistadas no universo de pesquisa. Ao final, como verá na foto abaixo, foram elaboradas 8 personas, sendo 4 referentes a 4 tipos diferentes de pacientes, 1 referente aos médicos, 1 referente aos operadores de saúde e 1 referente aos profissionais na área de recursos humanos.

Caso queira saber mais sobre esse projeto e o resultado final, não deixe de acompanhar o nosso site. Em breve, iremos disponibilizar um relatório completo para que toda a sociedade possa ter acesso às soluções criadas para que possam contribuir para a reformulação do sistema de saúde suplementar.

Inove você também: monte a(s) sua(s) Persona(s)

Para que você também possa começar a colocar em prática o que foi discutido neste artigo, estamos disponibilizando uma ótima ferramenta para a construção de personas. Com o Mapa de Empatia ou de Persona, você poderá de maneira estruturada organizar o que emergiu da pesquisa de campo e ainda identificar os padrões de comportamento dos seus entrevistados.

A Ferramenta – Mapa de Empatia

O quê é? Definir um usuário específico a partir de dados de pesquisa para desenhar uma SOLUÇÃO PARA ALGUÉM.

A persona é muitas vezes um personagem fictício, mas não deve ser “inventado” sem base de pesquisa, deve ser construído com a soma de dados de pesquisa e decisão de projeto.

Para quê? Os mapas de empatia ou personas são utilizados para entender os objetivos, desejos e limitações do usuário. Os dados que antes eram abstratos ganham um rosto e se tornam uma pessoa, mais fácil de se relacionar.

Sua persona pode ser descrita em:

– Nome e imagem, – Identificadores sócio-demográficos (como idade e educação),

– Necessidades, desejos e tarefas, – Objetivos e aspirações

Como?  Preencher o Mapa de Empatia

 


Ricardo Ruffo

Ricardo Ruffo is a born entrepreneur, educator, speaker and explorer. As a writer by passion Ricardo daydreams on how the world is changing fast and how it could be.

Ruffo is the founder and global CEO of Echos, an independent innovation lab driven by design and its business units: School of Design Thinking, helping to shape the next generation of innovators in 3 countries, Echos – Innovation Projects and Echos – Ventures. As an entrepreneur, he has impacted more than 35.000 students worldwide and led innovation projects for Google, Abbott, Faber-Castell and many more.

Specialist in innovation and design thinking, with extensions in renowned schools like MIT and Berkeley in the United States. Also expert in Social Innovation at the School of Visual Arts and Design Thinking at HPI – dSchool, in Germany.

Naturally curious, love gets ideas flying off the paper. He always tries to see things from different angles to enact better futures. In his free time, spend exploring uninhabited places around the world surfing.